ATENDIMENTO ESPECIAL

Sala das Margaridas acolhe mulheres vítimas da região em Bagé

A sala vem a ser um contraponto a casos de violência contra à mulher, inclusive, como o caso da influencer Mariana Ferrer, de Santa Catarina

*Por Anderson Ribeiro

Delegada Carem comemora resultados da Sala das Margaridas Foto: Divulgação TP

O caso da influencer Mariana Borges Ferreira, conhecida como Mariana Ferrer, de 23 anos, que alega ter sido estuprada pelo empresário André de Camargo Aranha, em 2018, tomou conta das redes sociais na terça-feira (3).
A defesa e o Ministério Público enfatizam que o acusado não sabia que a vítima não estava capaz de consentir a relação. O argumento acabou gerando o termo “estupro culposo”. Mais tarde, o Ministério Público de Santa Catarina afirmou que não requereu a absolvição do empresário com base no argumento de que ele praticou “estupro culposo” contra a influencer. Nas alegações finais do processo, a promotoria também não usa o termo. Consta que, o pedido para que Aranha seja inocentado é fundamentado na falta de provas sobre eventual dolo em sua conduta. Sem isso, não há o crime de estupro de vulnerável (artigo 217-A, parágrafo 1º, do Código Penal).
A 3ª Vara Criminal de Florianópolis absolveu Aranha, com base no princípio in dubio pro reo, por entender que a acusação de estupro só foi baseada nos relatos de Mariana e sua mãe. O juiz Rudson Marcos afirmou que não ficou provado que a influencer estava alcoolizada ou sob efeito de droga a ponto de ser considerada vulnerável e não consentir com o ato sexual por não ter capacidade de oferecer resistência.
O site The Intercept Brasil afirmou, em reportagem publicada, que o promotor do caso, Thiago Carriço de Oliveira, pediu, e o juiz aceitou, a absolvição de Aranha pelo fato de ele ter cometido “estupro culposo”. “Segundo o promotor responsável pelo caso, não havia como o empresário saber, durante o ato sexual, que a jovem não estava em condições de consentir a relação, não existindo, portanto, ‘intenção’ de estuprar. Por isso, o juiz aceitou a argumentação de que ele cometeu ‘estupro culposo’, um ‘crime’ não previsto por lei. Como ninguém pode ser condenado por um crime que não existe, Aranha foi absolvido”, disse o texto do Intercept.
O site The Intercept, também divulgou imagens da audiência que mostram o momento em que o advogado de defesa de Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, mostra várias fotos de Mariana e as define como “ginecológicas”. Ele também disse que “jamais teria uma filha do nível” de Mariana. A influencer respondeu dizendo que está de roupa nas fotos e que elas “não têm nada demais”. A jovem ainda enfatizou: “A pessoa que é virgem, ela não é freira não, doutor. A gente está no ano 2020”.
O advogado continuou atacando a jovem. “Só aparece essa sua carinha chorando. Só falta uma auréola na cabeça. Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso, e essa lágrima de crocodilo”.
Após essas expressões, um dos membros do Tribunal de Justiça percebeu que Mariana chorava muito ao ouvir as palavras e perguntou se ela queria sair um pouco para se recompor. Apesar de estar claramente emocionada, Mari responde as alegações. “Eu gostaria de respeito, doutor. Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito no mínimo. Nem os acusados, nem os assassinos são tratados da forma que eu estou sendo tratada gente, pelo amor de Deus. Eu sou uma pessoa ilibada. Nunca cometi crime contra ninguém”.
Após a divulgação do vídeo da audiência, houve uma revolta muito grande nas redes sociais com o desfecho do caso e com a conduta do advogado de defesa. A #justicapormarierrer entrou no trend topics do Twitter. Inclusive, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes se pronunciou, em seu twitter, sobre o caso e disse que a conduta do advogado precisa ser apurada. “As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”, afirmou.

“O sistema de Justiça deve ser
instrumento de acolhimento”

Baseando-se nessa fala do ministro Gilmar Mendes, vamos reportar o acolhimento de mulheres vítimas na região. Em Bagé, além da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), que atende toda a 9ª Região Policial. Esse ano, também foi inaugurada na Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento (DPPA), a Sala das Margaridas, uma parceria entre Polícia Civil e Rotary Clube de Bagé Pampa. Lembrando que a 9ª RP abrange as cidades de Aceguá, Candiota, Dom Pedrito, Hulha Negra, Lavras do Sul, Pedras Altas, Pinheiro Machado, Santa Margarida do Sul, São Gabriel e Vila Nova do Sul.
A titular da DPPA, delegada Carem Adriana Silva do Nascimento, batalhou até conseguir apoio para a instalação da Sala das Margaridas. Um ambiente reservado, acolhedor e com atendimento especializado. São espaços preparados para acolher e encorajar mulheres no processo de rompimento do ciclo da violência.
O curso de Psicologia do Centro Universitário IDEAU (UNIDEAU), firmou uma importante parceria com a DPPA, em prol de mulheres vítimas de violência, que oferece às mulheres atendidas na delegacia de polícia um acolhimento humanizado, visando diminuir a ansiedade das vítimas e oportunizar que os depoimentos sejam mais claros e objetivos, além de possibilitar agilidade a um processo difícil, que muitas vezes necessita de outros encaminhamentos.
Assim, na medida em que os acadêmicos auxiliam no trabalho dos policiais, promovendo um estado emocional favorável para coleta da denúncia/depoimento, o estágio proporciona o desenvolvimento de habilidades e competências dos alunos na prática, sobretudo no que se refere às técnicas de entrevista, que fazem parte do componente curricular.
A delegada Carem enfatiza o apoio das rotarianas para a concretização da Sala das Margaridas. “Fui delegada da Deam de Bagé por cinco anos. Sei o quanto é necessário que as mulheres vítimas de violência, que vão até a delegacia fazer os seus relatos, falarem das dores do seu coração, de terem sido agredidas por alguém que é a pessoa que elas amam. As mulheres pensam muitas vezes antes de ir a delegacia. Quando elas vão, é necessário esse ambiente privado e acolhedor. Para que ela se sinta a vontade e consiga fazer o relato, pedir ajuda e romper o ciclo de violência. A Sala das Margaridas já faz a diferença na vida de mulheres agredidas. Isso foi um grande passo. Nós temos que ouvir, não julgar. Temos que sempre procurar ajudar as vítimas”, destacou.

Rotarianas e o delegado regional participaram da inauguração Foto: Divulgação TP

ESTUPRO CULPOSO – A delegada enfatiza que estupro culposo não existe e que, no caso da influencer, pelo que ela pode observar em vídeos postados em redes sociais, Mariana foi desrespeitada e o advogado de defesa tentou culpar a vítima pelo caso. “Isso acontece muito de tentarem dizer que a errada é a vítima. Isso é um absurdo. Isso é crime. Pelo que pude observar o réu foi inocentado por falta de provas. Mas, normalmente, é um tipo de crime que não tem testemunhas, então, a palavra da vítima tem um peso enorme”, explica Carem.
A Sala das Margaridas é um local, reservado e privado, que tem como um dos objetivos acolher mulheres vítimas. Inclusive, mulheres vítimas de qualquer tipo de abuso. A Sala das Margaridas vem a ser um contraponto a esse tipo de caso. Um local onde mulheres, como a Mariana Ferrer, que além de ter relatado ter sido abusada sexualmente, foi agredida verbal e psicologicamente pelo advogado de defesa.

A SALA E OS RESULTADOS – A delegada Carem relata que conversou com policiais que efetuam os registros de ocorrências na DPPA e afirma que o relato é muito positivo. “Eles me relatam que a mulher vítima, após passar pela sala de acolhimento chega mais calma e sabendo o que exatamente quer para registrar ocorrência. O atendimento é feito pelas estagiárias do curso de psicologia da Unideau. Também conversei com uma mulher vítima. Ela me relatou que se sentiu muito melhor após conversar e ser atendida na Sala das Margaridas. Esses resultados são satisfatórios, pois a intenção é sempre proteger, auxiliar e acolher as mulheres”, completou.

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