Sem assunto

O Edmundo era um contador de histórias. Como toda sua produção não foi escrita, ficam algumas lembradas que se mantém pela transmissão oral. Viveu a maior parte de sua vida na comunidade de Trigolândia, em Hulha Negra – RS.

Com seu jeitão algo bonachão, quando mais avançado nos anos, falava sem parar e não chegava a ser chato, desde que o ouvinte tivesse tempo, pois seus relatos eram caprichados, adornados, lapidados melhor dizendo, e sendo o homem cativante, todos o ouviam com atenção, quando não com admiração. E falava. O máximo que os presentes comentavam num diálogo com o Edmundo era um monossílabo. Daí que nunca esqueci quando contou a história de um certo valentão.

Estavam eles vivendo pela metade do século passado quando um sujeito, tido por “pavoroso”, encontrou o Edmundo e disse: – Estou indo pegar o Fridi (um daqueles alemães de nome complicado que os brasileiros simplificaram no apelido), tô sabendo que ele está vindo para cá.

Para qualificar a pegada, estava armado com um imponente relho trançado.

Como nem parou que eu pudesse entabular uma conversa, dizia o Edmundo, fui junto tentando demover o homem enquanto este, a pé, se embrenhava no chircal (mata nativa), que estava alto, para encontrar a vítima de surpresa, que não chegava a ser tocaia, o que não era do seu feitio.

Não demorou muito para aparecer o vivente, surgindo na estrada onde havia uma elevação no terreno, e como nenhum argumento havia produzido efeito, além da ameaça de um relhaço, o “pavoroso” saiu do chircal e foi avisando.

– Agora tu vais levar uma surra.

O homem até que se assustou com o surgimento inesperado do agressor mas, de imediato, puxou um reluzente revólver que parecia, de longe, de grosso calibre.

Ao ver que se aproximava uma tragédia, o Edmundo se coloca, determinado, entre os dois homens e se dirige ao mais potencialmente perigoso com palavras de “deixa disso”. Ao se voltar na direção do “pavoroso” notou que, surpreendentemente, havia sumido.

Foi então que concluiu, com a frase absolutamente inesperada:

– Naquele momento, … e deu uma pausa, para que os da volta pudessem refletir sobre o que se passava no momento mágico que o contador de histórias viveu, … eu fiquei sem assunto!

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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