Sintomas…

*Por Guilherme Barcelos

Os dias passam e o Rio Grande do Sul segue debaixo d’água. No interregno, os prejuízos humanos, ambientais e de infraestrutura vão sendo contabilizados. Infelizmente, no entanto, muita coisa ainda está para vir à tona, considerando justamente o passar dos dias e, espera-se, o gradual recuo das águas. Uma tragédia sem precedentes. Superar e reconstruir, os verbos da vez. Que consigamos conjuga-los, ao fim e ao cabo. A luta é dura. Mas, haveremos de vencê-la.

Disso tudo, não há como deixar de frisar, se algo de bom para extrair, é a solidariedade do nosso povo, do povo gaúcho e brasileiro. Engajamento via doações, mobilização popular, voluntariado. Sentimentos dos mais nobre pipocando nos quatro cantos deste país continental, no sentido de fazer com que saiamos desse caos onde estamos metidos. Gestos muito bonitos. E que jamais – eu espero, ao menos – serão esquecidos. Que gente forte!

Por outro lado, perguntas, perguntas, perguntas. As tenho – e não são poucas. Como tudo aconteceu? Quais as razões? E as falhas? De quem, por quem, quando? Como cidades desaparecem assim, de inopinado? Como Porto Alegre, a nossa Capital, uma das minhas cidades, dos meus recantos, ficou, em parte, inundada, assim, no mais? E as casas de bombas? Houve manutenção adequada? Por que não funcionam? Enfim… algumas respostas, diga-se, já as tenho. E muita coisa a dizer, muita coisa… chegará a hora. Assim como a hora de falar acerca das desumanidades também chegará.

Chegou a hora, entretanto, de falarmos sobre um acontecimento que também permeou – e vem permeando – os noticiários. Confesso que não gostaria de falar sobre o tema. É algo menor, de menor envergadura, considerados todos os acontecimentos, eu reconheço. E é mesmo! Porém, eis o ponto que desejo destacar, ainda que não tenha a relevânciaobservado o contexto, o fato a ser destacado serve – e serve em demasia! – como sintoma… sintoma do quanto estamos caminhando de maneira torta. É do futebol, pois, que falo. E das medidas, impostas goela abaixo de Grêmio, Inter e Juventude, por uma egocêntrica minoria de clubes da Série A e pelos conchavos, nada republicanos/transparentes, de uma instituição que já caiu de madura.

Antes, uma pergunta – outra pergunta: vocês possuem alguma ideia acerca da origem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF)? Ela é ditatorial, assim como a administração da entidade segue sendo ainda hoje. A primeira entidade nacional de futebol surgiu em 1914, com a Federação Brasileira de Sports. Em 1916, o nome foi alterado para Confederação Brasileira de Desportos (CBD). E a CBD deu espaço a CBF em 1979. Dito isso, sigo – sem compreender, todavia, como permanece, pois, a instituição, que carrega ares públicos, incólume aos sopros de reconstitucionalização pós-88. Ainda hoje…

Arena do Grêmio e Beira-Rio alagados. Aeroporto Salgado Filho, de igual forma. Pessoas mortas. Outras muitas desaparecidas. Municípios arrastados pela violência da água. O Estado do RS em pandarecos, mesmo nas cidades não afetadas ou afetadas em menor medida. Segue, então, o campeonato brasileiro, como se nada estivesse acontecendo. Seguiu, todos sabemos. As pressões começaram e o Presidente da CBF, a partir daí, toma uma decisão brilhante, digna de um Einstein dos trópicos: marquemos uma “reunião de emergência” para o fim do mês de maio. Genial! Como ninguém havia pensado nisso? Enquanto isso, disse ele, vou para a Tailândia… vocês que se virem – eis o recado. A pressão aumenta e, somente aí, e anteontem, vem a decisão de paralisar o campeonato. Até o início de junho, entretanto. E só. Ajuda aos clubes? Nenhuma. E quanto ao desequilíbrio técnico? Nenhuma referência, de mais a mais. Não podem jogar no RS? Arrumem outro lugar. E vida que segue. Cinco clubes, de mais a mais, foram contra (!) a parada: Flamengo (apenas para variar…), Palmeiras (numa hipocrisia sem tamanho, com Abel Ferreira reclamando por não estar jogando no Alianz Park… os outros que se ferrem, não é?), Corinthians, São Paulo e Bragantino. Todos muito solidários. Compreensivos. E leais.

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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