Soberania popular

A forma pela qual o povo participa do poder dá origem a três tipos de democracia, qualificadas como direta, indireta e semidireta. Não ignoro as demais classificações, como democracia delegativa, democracia participativa e afins. Porém, observado o mote da coluna de hoje, fico apenas aqui, com essa perspectiva clássica. Na democracia direta, o povo participa diretamente da vida política do Estado, exercendo de modo imediato as funções públicas. O modelo, faço o registro, é basicamente impraticável, tanto que um importante pensador contemporâneo qualifica a democracia direta como “mera curiosidade histórica”. A impossibilidade prática que referimos tornou, consequentemente, inevitável o recurso à democracia representativa ou indireta, apesar de eventuais dificuldades (crises) de representação ou representatividade que daí possam surgir.
A democracia indireta, chamada representativa, é aquela na qual o povo, fonte primária do poder, não podendo dirigir os negócios do Estado diretamente, em face da extensão territorial, da densidade demográfica e da complexidade dos problemas sociais, outorga as funções de governo aos seus representantes, que elege periodicamente. E a representação, mediante eleições, permite aos cidadãos designar os seus governantes para um período (pré) determinado e, posteriormente, dependendo do ordenamento jurídico interno, reelegê-los ou não, ou eleger a outros dentre outros candidatos. Nesta hipótese de representação, o povo não exerce o poder de modo direto ou imediato, mas sim por meio de representantes eleitos para tanto.
Uma democracia semidireta, a seu turno, nada mais é do que a democracia representativa com peculiaridades pontuais que indicam a participação direta nos assuntos do Estado, podendo, assim, ser considerada como mista. Noutras palavras, é uma democracia representativa semidireta ou mista.A democracia semidireta é, na verdade, democracia representativa com alguns institutos de participação direta do povo nas funções de governo, como plebiscito, referendo e iniciativa popular, tal como é a nossa.
Agora, o que dá sustentação ao regime democrático, qualquer que seja a sua forma de conformação? É o povo. O mesmo povo que é a fonte do poder. O povo soberano. A noção de soberania popular remete-nos, precipuamente, ao seguinte provérbio: “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”. Essa ideia, isto é, a ideia de que o poder emana do povo, devendo em seu nome ser exercido, é, por seu turno, atributo indissociável de um regime democrático. Isso, por sua vez, nos faz compreender que a soberania popular pode ser concebida como a soberania política do povo. E, ademais, que não há regime democrático que não sufrague tal pregação.
Na democracia o povo é o soberano, nele residindo à base de autoridade e legitimidade do poder político-estatal. O poder emana do povo e em nome do povo deverá ser exercido, assim o sendo direta e/ou indiretamente. De tudo, pois, que pode conter o ideário de soberania do povo, há, natural e obviamente, uma relação entre a ideia de soberania popular e a ideia democrática. Entre os traços que compõem a ideia de soberania popular, tal como aparece nas constituições modernas, podemos claramente identificar as promessas associadas com o ideal do autogoverno. Embora não seja possível afirmar uma identidade necessária entre a afirmação da soberania popular e a afirmação da democracia – tudo depende de como, em cada caso, vai-se pensar a relação entre o povo e aqueles que “autorizam” –, todas as versões da ideia democrática incluem a crença na soberania popular: todas se comprometem com a ideia de que a autoridade mais alta encontra-se consubstanciada no povo, que jamais aliena completamente essa autoridade, e, portanto, governa a si mesmo.
Já o exercício dessa prerrogativa fundamental, por sua vez, se dará de maneira livre e periódica, por meio do sufrágio universal, direto e igual para todos, a ser materializado pelo voto secreto– o direito de voto, sufrágio ativo ou capacidade eleitoral ativa. O povo, de igual maneira, tem direito de tomar parte dos negócios de Estado, despontando, aí, o direito de ser votado – sufrágio passivo ou capacidade eleitoral passiva. Surgem, nesse quadro, os direitos políticos, a permitir ao conjunto dos cidadãos não apenas o direito de falar, de manifestar a sua vontade, mas o direito de ser ouvido. Em ano de eleição, sobretudo, é que o registro deve ser feito e a ideia rememorada.

* Originalmente este conteúdo foi publicado no jornal impresso

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