Sofia…

O que é a vida? Rios de tinta já foram gastos para tentar explicar, enfim, o que é a vida. Há quem diga que a vida é uma dádiva divina. Ou o encontro do espírito com um corpo material. Há, de igual modo, aqueles que dizem que a vida nada mais é do que o resultado de uma fecundação, ou seja, do encontro de um espermatozóide com um óvulo. E por aí vai. Nenhum destes, quiçá, está errado. Afinal, o que é a vida? A vida, para este que vos escreve, é acontecimento e caminho. Prefiro assim. E me apoio, para tanto, na literatura, especialmente em Guimarães Rosa. A vida, caro (a) leitor (a), é travessia, uma travessia dura, não raro, mas, ainda assim, uma travessia. Eis aí o sentido e a beleza da vida: ser e caminhar.
Escrevo hoje de Brasília. É madrugada e nem a Lua me faz companhia, afinal, é tempo de chuva por aqui. Sou eu comigo mesmo, tal como a famosa imagem do Príncipe Hamlet, de Shakespeare, olhando para si e perguntando acerca da sua própria existência. Conhece a ti mesmo e conhecerás todos os Deuses do Universo, não é o que os gregos diziam?
Se a vida é travessia ou caminho, ela também é feita de perdas. Ah (!), e como há perdas nos últimos tempos, bastando lembrar que, apenas no Brasil, foram mais de seiscentos mil mortes em razão de um vírus que se apresentou como o maior inimigo da humanidade no curso da atualidade. O segundo maior, eu diria. O maior é a própria humanidade ou a imbecilidade humana. Thomas Hobbes, ainda que noutro tempo e contexto, escreveu que “o Homem é o lobo do próprio Homem”. E ele tinha razão, penso, ainda que eu não seja dos mais pessimistas, tampouco niilista, ao estilo de Friedrich Nietzsche, e seja, sobretudo, um humanista. Pois bem.
Hoje não escreverei sobre Direito, sobre Política ou algo similar. Não. Escreverei sobre perda. E sobre uma perda que me acometeu no início deste ano de 2022. A perda de Sofia. Não quero, caro (a) leitor (a), parecer insensível, longe disso. São tantas as perdas, como dissemos acima. Não me entenda mal, portanto. Peço, então, encarecidamente, que o texto seja recebido apenas como um registro honroso em prol de um ser iluminado que chegou e que rapidamente partiu, mas que marcou no curso do seu breve caminho. E como marcou!
Sofia, para quem não sabe, é uma cachorrinha da raça Collie que acabei adotando em meados de outubro do ano passado. Ela chegou aqui com aproximados seis meses de vida, magra e com um ar de tristeza no olhar. Isso durou muito pouco. E, em pouquíssimo tempo, Sofia esteve alegre, plena, cheia de luz. Infelizmente, de uma hora para outra, Sofia foi diagnosticada com uma doença grave, adquirida antes mesmo de sua chegada, que acabou sendo irreversível. Isso ocorreu na primeira semana de janeiro. Sofia, para o nosso pesar, acabou partindo deste plano no dia 06 de janeiro de 2022, por volta das 14 horas de uma quinta-feira chuvosa, uma “quinta de quinta”. E foram apenas três meses e meio conosco.
O tempo foi muito curto. Porém, foi um tempo rico, feliz. Sofia, como disse uma pessoa importante e muitíssimo querida para ambos, “encheu a casa”. E é verdade. Sofia significa sabedoria. E ela ensinou. Ensinou que o tempo, por mais breve que seja, deve ser honrado. Que devemos aproveitar os momentos da vida, por mais breves que sejam. Que, por mais que sejam as adversidades, devemos ser alegres. Que a alegria ou a felicidade podem ser encontradas em pequenos gestos. E até mesmo que sentimentos dúbios, como ciúmes ou birra, podem ser expressos de maneira amável (ela era birrenta e, dizem, ciumenta… risos!). Sofia nos fez melhor.
Tal como Mario Quintana escreveu, hoje queria um dia feito de horas de oferecer. Afinal, há dias diferentes. Dias especiais em que queremos encomendar o Sol, a luz do horizonte, a doçura do ar. Queria oferecer um dia hoje. Um dia perfeito. Embrulhado em momentos guardados. Talvez com uma fita cor de certeza calma e um laço pleno de voltas cúmplices. Só um dia. Dado assim.
Infelizmente há voltas que são impossíveis, ao menos no plano da matéria, digo. Porém, a vida não é matéria, apenas. Se ela, a vida, é feita de caminhos, os caminhos constroem memórias. E elas, as memórias, são construídas a partir de momentos. Neste caso, de momentos que fizeram, não um, mas vários dias especiais, cercados de resplandecer e de paz.

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