*Por Guilherme Barcelos
Era 4 de junho de 2010. Sancionada pelo então presidente da República, entrava em vigor a Lei Complementar n° 135/2010, conhecida popularmente como “Lei da Ficha-Limpa”. Vendida, demagógica ou ingenuamente, como a salvação nacional, a lei em comento, sabemos bem, foi fruto de iniciativa popular, tendo contado com o apoio de importantes entidades da sociedade civil e com intensa campanha midiática, de igual forma. 14 anos se passaram… e novas eleições se avizinham.
Não possuímos condições, considerado o espaço, de traçar todo caminho que levou à sanção da referida legislação e a sua aplicabilidade (eficácia) a partir das eleições de 2012. Tampouco pretendemos falar acerca dos controversos dispositivos que ela carrega, isso sob a ótica da constitucionalidade/convencionalidade. O texto de hoje, por outro lado, vem falar acerca do pecado capital deste diploma normativo, considerado o passado nada alvissareiro que foi utilizado para legitimá-lo. Seria necessário um teste de paternidade? Eis a pergunta que norteia a coluna.
De início, vejamos que a LC n° 135/2010, dizem, veio à tona para dar vazão ao que se encontra previsto no artigo 14, §9°, da Constituição de 1988. O texto, que não é fruto do constituinte originário, mas, sim, de Emenda de Revisão (EC n° 04/1994), prevê que “Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”. Aqui já começam os problemas, graves que são. De onde vem essa redação que, pela via do Congresso Nacional, foi introduzida no texto da Constituição Cidadã em 94?
Duas questões merecem destaque: a primeira é o efeito simbólico e populista dessa reforma constitucional, que fez modificar a redação do §9º do art. 14 da CF logo após o escândalo dos “anões do orçamento”. Tratou-se, então, de uma medida tendente a dar uma satisfação a uma sociedade que apontava os dedos para o Parlamento em razão do escândalo, mero populismo legislativo; já a segundaé ainda mais condenável, deveras: esse texto, da forma como foi posto, repristinou, aí está a verdade (!), sem tirar nem pôr, normativas provenientes do regime militar e, portanto, normativas de exceção. Basta, para tanto, vermos o artigo 148 da dita Constituição de 1969 e a Lei Complementar n° 05/70. Vejam: não eram apenas normativas do regime de exceção, mas normativas instituídas sob a égide do AI-5, ou seja, no período de exceção da exceção, quando os militares impuseram uma espécie de exceção ao quadrado.
O dispositivo da Emenda de 1969 encomendava, ênfase aqui, à lei complementar a fixação de hipóteses de inelegibilidade, tudo para preservar “o regime democrático”, “a probidade administrativa”, “a moralidade para o exercício do mandato, levada em consideração a vida pregressa do candidato”, “a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência ou o abuso do exercício de função, cargo ou empregos
ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*