QUESTÃO ENERGÉTICA

Transição Energética Justa: situação de Candiota foi citada em evento nacional de petroleiros

Painelistas abordaram o tema da transição energética justa durante mesa temática no 19° Confup Foto: Luciana Fonseca/Sindipetro/Especial TP

Por Marcos Antonio Corbari (Brasil de Fato)

Durante o 19° Congresso Nacional da Federação Única dos Petroleiros e Petroleiras (CONFUP), que acontece desde o dia 3 e se estende até este domingo (6)  em Cajamar (SP), foi colocada em pauta a mudança da matriz energética e o papel da classe trabalhadora para que esse processo ocorra de forma justa. A mesa que debateu o tema foi realizada na tarde sexta-feira (4) e teve ampla participação dos delegados de sindicatos vinculados à FUP de todo o país.

Embora a pauta seja ampla, um caso recebeu atenção especial depois de exposto pela presidenta do Sindipetro-RS, Mirian Cabreira: o risco de desligamento da Usina Usina Termelétrica de Candiota (Fase C),  pode gerar um problema social de grande proporção na região da Campanha, no sul do Rio Grande do Sul. Ver a análise dela num tópico mais abaixo.

O painel, intitulado “Novas fronteiras e transição energética: desafios para os trabalhadores” teve mediação da petroleira Raira Coppola e contou com exposições de Amanda Ohara, mestre em Planejamento Energético e membro da coordenação do Instituto Clima e Sociedade – ICS, e Renata Belzunces, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – Dieese.

Amanda destacou que a sociedade não consegue dar as respostas à crise climática na velocidade que o problema exige. “Vivemos em um cenário de mudança e as decisões que são tomadas não estão mudando na mesma intensidade. E essas decisões podem comprometer o futuro das empresas do setor de energia e expor os trabalhadores. Ninguém sabe ao certo a resposta de como deve ser a adaptação das empresas para lidar com essa nova realidade, mas o fato é que para discutir isso a gente tem que ter diversas perspectivas sentadas à mesa, participando do debate, para que o risco dessas apostas seja reduzido.”

Embora destaque a necessidade de prospectar um futuro que alinhe desenvolvimento econômico, social e humano sob o prisma da energia gerada com baixa emissão de carbono, alertou para as consequências desta necessária reestruturação do setor no país e no mundo como um todo. O envolvimento da Petrobras no tema é considerado decisivo pela especialista: “a empresa é historicamente desenvolvedora de soluções para a economia e quando ela se coloca a pensar no futuro, forma capacidades técnicas que ajudam a vislumbrar respostas para esses desafios, que são complexos e precisam das melhores cabeças em ação”.

As soluções propostas até o momento para equacionar o problema da emissão de carbono, que precisa ser contida, não tem levado em conta as demandas da classe trabalhadora. Esse é um dos pontos denunciados pela segunda painelista da mesa, Renata Belzunces.

Acerca da crise climática, lembrou que os trabalhadores e trabalhadoras também são afetados, fato que alcança várias categorias e não apenas petroleiros e segmentos de mineração, ao que a organização sindical precisa estar presente e atuante, partindo dela a defesa das categorias e também o compromisso de relação com as comunidades diretamente influenciadas.

Para Belzunces, a transição energética justa é um conceito que ainda precisa de melhor formulação, “está ainda muito aberto”, afirmou. “O processo deve acontecer sem deixar ninguém para trás”, aponta a economista. O tema, segundo ela, não pode ser colocado de forma simplista, como se apenas a substituição de motores por combustão por movidos a eletricidade seja a resposta definitiva para todos os problemas. “A continuidade da exploração do petróleo, a interrupção ou a diminuição deve ser uma decisão sem que nenhum petroleiro ou comunidade beneficiada pela renda seja prejudicada.”

O envolvimento da Petrobras no tema também foi saudado pela representante do Dieese, que explicou que “a estatal está se mexendo e tem uma Diretoria de Energias Renováveis” instalada. Mas alertou que é preciso envolvimento da classe trabalhadora no tema, garantindo que suas demandas estejam previstas nas práticas que forem sugeridas, com especial destaque para as negociações e acordos coletivos com a inserção do tema.

CASO DE CANDIOTA

Mirian Cabreira informou sobre os riscos uma desmobilização da Usina de Candiota Foto: Alex Garcia/Especial TP

Durante as participações da plenária, a presidenta do Sindipetro-RS, Mirian Cabreira, que é vinculada à Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), localizada em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, comunicou aos presentes a situação vivenciada em Candiota. Lá, explicou ela, trabalhadores e mineiros vinculados à Usina de Candiota (Fase C), pertencente à CGT Eletrosul, que é movida a carvão mineral, convivem com o espectro do desemprego desde que a unidade foi privatizada – junto com o sistema Eletrobras – e entrou no plano de descarbonização da empresa que agora é gerida por capital aberto, tendo no seu norte sinalizações de possível venda ou mesmo descontinuidade, visto que os contratos de comercialização da energia elétrica produzida vencem em final de 2024 e até o momento não se teve indicativo de prorrogação.

Lembrou que recentemente participou com lideranças que de fato estão preocupadas com a questão de um debate sobre a Transição Energética Justa realizado pelo Dieese no RS e relatou as informações a que teve acesso sobre essa situação. “A Eletrobras, nessa linha de fazer um greenwashing está para interromper o funcionamento desta usina a carvão”.

Conforme explicou Cabreira, a planta industrial produz um percentual pequeno da energia injetada no sistema agora sob gestão privada, que não representaria grande dificuldade para a empresa equacionar com outras fontes, porém deixaria um vácuo imenso para a localidade, a região e especialmente para trabalhadores vinculados ao setor.

A questão das emissões de gases de efeito estufa alardeadas como justificativa para a descontinuidade do empreendimento não estão sendo adequadamente abordados segundo a sindicalista. “A usina passou recentemente por ampliações tecnológicas, hoje não emite praticamente nada de SOx ou NOx, emite apenas o CO2 que é característico”. Além disso, apontou Cabreira, as cinzas produzidas no processo de queima do carvão são usadas para a indústria cimenteira instalada alguns quilômetros de distância do local, correspondendo a 40% da matéria prima utilizada nesse segmento.

“Precisamos de um debate sério, estruturado, feito com prazo. Essa discussão não pode ficar só pela linha ambiental, ela é importante é claro, mas é preciso olhar para o todo, inserir os trabalhadores e trabalhadoras nessa discussão, traçar uma linha de transição e não ficar fazendo discussões atordoadas, que demonstram que neste contexto todo quem vai ser prejudicado nisso são os trabalhadores que de uma hora para outra vem o seu emprego sendo extinto e a comunidade que tem subtraída uma de suas principais referências de desenvolvimento econômico e social”, apontou a presidenta do Sindipetro-RS.

Conforme o grupo técnico que compõe o Pólo de Inovação Energética e Ambiental do Pampa Gaúcho, além dos trabalhadores diretamente afetados em caso da descontinuidade da chamada Fase C da usina – 1,3 mil empregos diretos, conforme dados apurados pelo Dieese – há referências a pelo menos 3 mil empregos indiretos que seriam eliminados em todo o seu entorno, isso sem contabilizar os trabalhadores do setor de mineração, cuja atividade será diretamente atingida. As consequências em caso de desativação da usina serão severas também aos setores adjacentes, como a prestação de serviços, o comércio, a produção de alimentos no setor primário, a desvalorização do setor imobiliário, atingindo até mesmo o setor público. Há indicativos que os efeitos econômicos e sociais podem atingir até mesmo o país vizinho, Uruguai, uma vez que a região é espaço de fronteira e há produtos utilizados no processo industrial que são importados de lá.

O grupo tem se dedicado a estabelecer uma proposta de médio e longo prazo – com prorrogação dos contratos por 25 anos – para que a transição energética aconteça de forma ambientalmente responsável e socialmente justa. Segundo um dos coordenadores do Pólo, Frei Sérgio Görgen, nos próximos dias será enviado um convite formal para os representantes da categoria petroleira para conhecer a situação em detalhes e também somar-se as iniciativas que visam evitar que se estabeleça uma tragédia social na região chamada de Campanha, em pleno coração do Pampa gaúcho.

O 19° Congresso Nacional da Federação Única dos Petroleiros e Petroleiras (Confup) iniciou quinta-feira (3) e segue até domingo (6), utilizando as instalações do Instituto Cajamar (Inca), na região metropolitana de São Paulo, emblemático espaço de formação constituído no final do Ditadura Militar para ser um centro de referência em formação para a classe trabalhadora

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