MORADIA IMPROVISADA

Uma vida nas ruas e nas estradas

Falcão e sua cadela Brigite enfrentam há anos os rigores de viver ao relento

Numa barraca, às margens da BR-293, a dupla pretende passar todo o rigoroso inverno do pampa gaúcho Foto: J. André TP

Ninguém o chama de Antônio César Rodrigues Silva. Até ele tem dificuldade de se distinguir por este nome de batismo. Se reconhece mesmo como Falcão, apelido carinhoso que adotou e como todos o conhecem.

O bageense de 59 anos, com aspecto físico frágil, tomava seu chimarrão na manhã bem fria do inverno do pampa da sexta-feira passada (5), quando recebeu a reportagem do jornal Tribuna do Pampa em sua ‘moradia-acampamento’ – improvisada às margens da BR-293, próxima ao trevo de acesso à Candiota, na Vila Operária.

Solícito e falante, Falcão logo abriu um sorriso e ralhou com sua fiel e única companheira, a Brigite – uma cadela de seis anos, bem cuidada, cruza das raças pitbull e crioulo, que ainda estava dentro da sua barraca e gosta muito de interagir.

 

UMA VIDA NA RUA

 

Falcão contou que foi adotado por uma família de Bagé aos oito meses de idade. A família era formada por ele e mais três irmãs. Dos 6 aos 15 anos morou em Rio Grande.

Com praticamente, segundo ele, 40 anos de uma vida errante, Falcão contou um pouco da sua história e da opção forçada que teve que fazer em morar desta forma.

O que lhe levou às ruas, de uma vez, conta ele, foi a impossibilidade de trabalhar de forma continuada. O servente de pedreiro de profissão assinala que possui complicações nas articulações dos joelhos e também um problema renal.

Depois de perambular pelo Brasil afora como andarilho, ele voltou a Bagé em 1999. Durante 10 anos viveu entre a rua e a casa de uma irmã. Com a morte dela há cerca de cinco anos, ele passou a ficar definitivamente ‘morando’ na calçada da avenida Tupy Silveira, ao lado do Palacete Pedro Osório, próximo ao supermercado Nacional, no centro de Bagé.

 

APEDREJAMENTO

 

Sua mudança para Candiota tem a ver com uma situação de violência. Ele relatou que de abril a junho deste ano, sua barraca em Bagé vinha sofrendo inúmeros ataques com pedras durante a madrugada. “Foram 11 ataques nesse período, corremos risco de morrer. Uma pedra de afiar, que até trouxe comigo, por pouco não pega na minha cabeça. Os ataques aconteciam no fim de semana, após às 3h da madrugada, feito por pessoas jovens, que passavam de carro, geralmente bêbadas ou drogadas”, conta ele.

Assustado e com medo do pior, Falcão disse que conseguiu no último dia 28 de junho, o transporte de suas coisas para o trevo de Candiota – lugar que ele já havia estado na pandemia de Covid-19. Na Capital Nacional do Carvão ele pretende ficar até o fim do inverno. “Aqui é um paraíso”, disse.

A Prefeitura de Candiota, por meio da Secretaria de Assistência Social, está monitorando a situação de Falcão, especialmente em função das baixas temperaturas que estão fazendo. Segundo o secretário Fabiano Mussoline, água potável, alimentos e cobertas já foram disponibilizadas.

 

NECESSIDADE E OPÇÃO

A dupla depende da ajuda das pessoas, mas Falcão não pede nada diretamente, ele se expressa por meio de cartazes Foto: J. André TP

Estar na rua, segundo Falcão, é uma opção e uma necessidade ao mesmo tempo. Ele depende da solidariedade das pessoas para sobreviver. Sem nenhum tipo de benefício social ou aposentadoria, Falcão disse que até sonha ter uma casinha própria, porém vê dificuldades em mantê-la, por não ter uma renda fixa.

Avesso a pedir diretamente, dois cartazes enfeitados com flores em vasos, que ele mesmo improvisa, pedem donativos por ele. Neles estão expostas suas necessidades básicas, como açúcar, café, erva-mate, entre outros produtos essenciais. Banho ele toma no posto de combustíveis em frente. “Nunca passei fome. É uma vida de dificuldades, mas já me acostumei. Graças a Deus nunca me faltou as coisas. Sempre digo, sou um pessoa respeitadora, humilde e não gosto de ajuntamento. Sou eu por eu mesmo, além de Brigite e Deus”, disse, contando que possui filhos, mas que eles também são pobres e não têm condições de ajudá-lo.

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

Comentários do Facebook