200 anos da primeira Constituição brasileira

*Por Guilherme Barcelos

Comemorou-se, no último dia 25 de março, os duzentos anos da primeira Constituição brasileira, a Constituição Imperial de 1824. Falaremos, pois, acerca desse acontecimento, tomando como base a Assembleia Constituinte, de 1823, e os desdobramentos ocorridos a partir daí, assim como as principais características desta Carta, que vigorou durante todo Império, até o golpe que derrubaria o monarca Pedro II, em novembro de 1889, instaurando, pelas avessas, a República.

Consumada a Independência foi convocada uma Assembleia Constituinte, no sentido de entregar à neófita Nação uma Carta Constitucional. A Assembleia Constituinte e Legislativa foi instaurada efetivamente em 03 de maio de 1823, isso depois de algumas sessões preparatórias, tendo sido a primeira experiência parlamentar brasileira (tanto que a data foi transformada em “Dia do Parlamento”) – o Rio Grande do Sulfora representado pelos seguintes senhores: Joaquim Bernardino de Senna Ribeiro, Antonio Martins Bastos, Francisco das Chagas Santos e José Feliciano Fernandes Pinheiro.O colegiado reuniu 84 dos 100 constituintes, distribuídos por 14 províncias. E realizou 148 sessões, tendo sido apresentados 38 projetos de lei, 157 indicações e 237 pareceres (Fonte: Senado Federal). A tarefa principal do Colegiado, todavia, não foi atingida, ou seja, promulgar a Constituição.

Ruídos houve com a autoridade real, notadamente no que se referia às prerrogativas da Coroa, que, na ótica dela, estariam sendo limitadas pelo projeto constitucional. A ideia de monarquia limitada, já consolidada na Inglaterra, não soava bem em terras brasileiras, ao menos naquela quadra histórica. Ocorreria, assim sendo, por ordem direta do Imperador Pedro I, o fechamento da Assembleia, consumado na tarde de 12 de novembro de 1823, depois de uma concentração de militares na madrugada, no que ficou conhecido como “noite da agonia”.

Tivemos, quiçá, aqui, o primeiro golpe militar da história. Sobre o acontecimento, a obra de Octaviano Tarquínio de Sousa é esclarecedora: “[…]. A crise atingia o auge. Nenhum remédio mais restava à Assembleia, cuja dignidade, no dizer de Montezuma, precisava ser salva. […]. Mas já o tropel das forças em marcha feria os ouvidos dos representantes da nação brasileira. A tropa descera de São Cristóvão e aproximava-se da Assembleia, acampando o grosso no Campo de Santana, enquanto um parque de artilharia e um esquadrão de cavalaria tomavam a Rua da Misericórdia, em demanda do edifício da Constituinte. […]. Anunciando-se a chegada de um oficial, que vinha da parte do imperador, o secretário Galvão foi à porta da sala e trouxe um decreto, que lhe fora entregue com a recomendação de ser lido e devolvido. Era a dissolução. A Constituinte era dissolvida porque ‘perjurara ao seu solene juramento de salvar o Brasil’. Afrontando os deputados com essa terrível acusação, D. Pedro I ainda quis ser irônico, mandando dizer que a tropa que cercava o edifício viera para defender a Assembleia de qualquer insulto. […]. Saíram então da sala todos os deputados, dissolvendo-se, de fato, a Assembleia, à 1 hora da tarde do dia 12 de novembro de 1823”. (SOUSA, Octaviano Tarquínio de. História dos Fundadores do Império do Brasil. Vol. VIII. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1960, p. 92-93). Também:“Pretextos foram invocados, é certo, mas o leão da fábula também os invocou, com as mandíbulas já escancaradas diante do cordeirinho trêmulo… E assim foi. No dia 12 de novembro, S. M., em pessoa, à frente das suas tropas, assestava contra o edifício da Assembleia numerosas bocas de fogo, numa espetaculosa exibição de força, como se fosse, naquele momento, tomar de assalto alguma fortaleza inexpugnável”. (ROSA, Alcides. Manual de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Aurora, 1951, p. 18-19).

A Constituição seria outorgada pelo próprio Imperador. E, dizem, foi até mesmo mais liberal do que o projeto da Assembleia, não obstante os traços de fortalecimento da Coroa. Em suma, ela consagrou: a) a forma unitária de Estado; b) a monarquia como forma de governo; c) organizou e dividiu o território em Províncias; d) reconheceu a divisão funcional dos poderes, como maneira de garantir a liberdade individual dos cidadãos; e) absorveu a ideia de Constant, o francês, quanto à separação de poderes (Legislativo, Executivo, Judiciário e… Moderador); f) adotou o sistema parlamentar bicameral e; g) estabeleceu um sistema eleitoral, garantindo o voto, mas censitário.

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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