A nova Lei de Improbidade

A Lei n° 14.230/2021 trouxe várias alterações no bojo da chamada Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.492/92), tanto que passou a ser chamada de “Nova LIA”. As alterações realmente não foram poucas, por exemplo, dentre outras: a) dolo como elemento subjetivo apto ao reconhecimento de um ato ímprobo; b) definição do dolo como sendo a vontade livre e consciente do agente público de alcançar um dos ilícitos tipificados nos artigos 9° a 11 da lei; c) consagração da aplicação dos princípios de direito sancionador às ações de improbidade; d) extinção da antiga manifestação preliminar; e) resguardo (tardio) do contraditório substancial quanto aos tipos ilícitos previstos na lei, de modo que ninguém seja condenado por tipo diverso daquele pelo qual foi denunciado; f) alteração dos prazos e marcos de contagem do prazo prescricional e; g) regulamentação do acordo de não persecução civil.
Já no âmbito do STF houve reconhecimento de Repercussão Geral (Tema 1199) no sentido de definir a aplicabilidade da Nova LIA aos processos em curso e, portanto, de modo retroativo, especialmente quanto ao elemento subjetivo do tipo (dolo) e à aplicação dos novos prazos prescricionais. E houve, no mais, decisão de suspensão dos processos em curso nos quais haja discussão acerca da retroatividade, até que o STF decida.
Tratou-se, pois, a inovação de legislativa, de uma concreta intervenção no sentido de resgatar a facticidade subjacente ao advento da lei de improbidade em 1992, ou seja, a de buscar perquirir ilícitos e punir o agente público desonesto, para muito além da má gestão. Dito de outro modo, questões inerentes à negligência, imprudência ou imperícia, ou mesmo provenientes de ilegalidades sem a achega do elemento subjetivo do tipo, não devem ser consideradas como atos de improbidade administrativa, tudo em razão de uma qualificadora demasiado relevante: o dolo, a má-fé, a desonestidade.
Deixou-se claro, por força de lei, que a ação de improbidade administrativa, a mesma que não se confunde com ação civil pública ou com ação de ressarcimento, tem feição acusatória e sancionatória, aplicando-se, na espécie, todos os princípios de direito sancionador. A ação de improbidade administrativa não é um processo civil comum, portanto, sendo que o seu caráter acusatório e sancionador traz à tona uma série de garantias tipicamente processuais penais, como, dentre outras, a vedação à inversão do ônus da prova. A prova é de quem acusa. E não deve ser admitida a inversão, que representaria, grosso modo, a imposição (inconstitucional) de uma presunção de culpa, por um lado, e, por outro, a violação do direito que o acusado possui no sentido de não produzir provas contra si.
Essa inovação legislativa é um grande avanço, penso, como que a materializar a colocação das coisas em seu devido lugar, de modo a vencer, mesmo que de maneira tardia, aquilo que Rodrigo Valgas dos Santos inteligentemente convencionou chamar de “Direito Administrativo do Medo”. Houve, nas décadas pós lei de improbidade, uma grande banalização do instituto, sendo que um manancial de ações foi proposto, não raro, com o objetivo puro e simples de obter ressarcimentos aos cofres públicos, ou mesmo com o fim de ver punido aquele agente incompetente, mas não corrupto, por eventuais equívocos no curso da administração. Isso trouxe, aliás, consequências no curso das administrações, afinal, submetidos a um alto risco decisório, gestores passaram a atuar não na busca do interesse público, mas visando sua autoproteção (a obra de Rodrigo explora magistralmente o fenômeno).
Ocorre que improbidade administrativa é mais, sempre foi mais, não obstante as investidas minimizantes que, tal como Hamlet, o Rei-pai, sempre rondaram os corredores judiciários arrastando correntes e assombrando a práxis jurídica e os agentes públicos em geral. E as sanções abstratamente previstas na lei confessam ou sempre confessaram esse “mais” – são reprimendas tipicamente penais, ressalvada, por óbvio, a inexistência da pena privativa de liberdade. Talvez resida aí, portanto, o grande mérito da Nova LIA, isto é, a diferenciação, de uma vez por todas, do que é uma ilegalidade e do que é um ato de improbidade, atrelado à aplicação, por força de lei, dos princípios de direito sancionador à temática da improbidade.

* Originalmente este conteúdo foi publicado no jornal impresso

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