A renúncia de Jânio

*Por Guilherme Barcelos

Carlos Castello Branco (1920-1993), o “Castellinho”, também chamado de “Príncipe”, foi um dos maiores jornalistas da história brasileira. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Piauiense de Letras. Escritor de mão cheia, manteve por décadas uma coluna no tradicional Jornal do Brasil, que acabou se tornando um verdadeiro marco do jornalismo político nacional. O acervo, aliás, se encontra hoje no Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.

No turbulento governo de Jânio Quadros, o jornalista, que também possuía formação em Direito, foi secretário de Imprensa no curto governo de Jânio Quadros. Com a renúncia do então Presidente, assumiu a chefia da sucursal do Jornal do Brasil, em Brasília. Ali nascia a precitada Coluna do Castello, temida, aliás, por muitos políticos, pois escrita por um dos maiores conhecedores dos bastidores do poder. A coluna seria escrita até o momento da sua morte, na década de 1990.

Autor de algumas obras de referência, Castello Branco escreveu, dentre outras, “Os militares no poder”, livro em quatro volumes que aborda o período da ditadura militar, a partir, inclusive, das colunas escritas pelo jornalista. Trata-se, pois, de um recorte de um momento nebuloso, pouco explorado e pouco conhecido deste período, que vai do golpe que depôs o presidente João Goulart à edição do ato institucional número 5, em 13 de dezembro de 1968.Castellinho analisa também os antecedentes do golpe, trazendo, no mais, um encarte de fotos e um apêndice com diversos documentos da época, incluindo o discurso de João Goulart dois dias antes do movimento sedicioso e a íntegra do AI-5.

É de outra obra de Castello Branco, no entanto, que gostaria de escrever hoje. E é do livro “A renúncia de Jânio”, hoje republicado pela Editora do Senado Federal (uma bela editora, aliás, com grandes obras à preço de custo). Essa obra é fruto de manuscritos do jornalista, que ficaram cerca de trinta anos guardados numa gaveta da sua residência, e que trazemobservações sobre os fatos críticos deagosto de 1961.  Depois da morte de quase todos os personagens, e do próprio Castellinho, sua viúva, a JuízaElvira Castello Branco, decidiu que era hora de entregar ao país esse documento de sua história.

Segundo ele próprio, “Escrevi estas notas entre 1º de agosto e os últimos dias de dezembro de 1963. Interrompi-as durante todo o ano de 1964. Retomei o trabalho, concluindo-o, nos dias 10 e 12 de março de 1965. Reli o que havia escrito. Os episódios, com o tempo, vão se transformando no seu significado. Apressei-me, porém, em leva-lo a termo antes que se perdesse de todo a perspectiva na qual concebi este depoimento”. Jânio renunciaria à Presidência da República em 25 de agosto de 1961, mergulhando o país em uma grave crise constitucional.

Acerca dessa crise, resumamos o ocorrido aqui: era Vice-Presidente da República João Goulart, que se encontrava em missão diplomática na China (por determinação do próprio Jânio). Em razão disso, de alegadas “tendências comunistas”, houve um levante civil-militar que visava impedir a posse de Goulart – ele era o primeiro na linha de sucessão, isso por força constitucional. Após a célebre “Campanha da Legalidade”, liderada pelo então governador do RS Leonel Brizola, e de um acordo costurado por Tancredo Neves, Jango foi empossado Presidente da República, mas com poderes reduzidos, ante o parlamentarismo imposto à fórceps, que perduraria até 1963.

Por que Jânio renunciou? Primeiro, em sua carta-renúncia, é importante referir que o Presidente citou a existência de “forças ocultas”. Quem seriam elas? Claramente ele estava a falar de Carlos Lacerda que, apenas para variar um pouco, já estava em campanha para a derrubada do governo eleito. A obra, inclusive, cita um episódio em que Lacerda não teria sido atendido por Jânio no Palácio do Planalto, o que teria acirrado os ânimos entre eles, a partir de uma ferida de ego. Segundo, era evidente que Jânio Quadros almejava retornar ao poder, agora na condição de ditador. Ele esperava, quiçá, romanticamente, uma ação espontânea do povo. A ação nunca houve. Ao contrário, os grupos que detinham o poder “haviam apressado a concluir o espantoso episódio”. O resto foi história. E ele nunca mais sentaria na cadeira da Presidência da República. Fica, então, a dica de leitura.

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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