Às voltas com a defesa da Justiça Eleitoral

Shakespeare, em seu “Rei Lear”, escreveu que nós choramos ao nascer porque chegamos a este imenso cenário de dementes. Não é sem razão, afinal, do conforto do ventre materno, simplesmente somos jogados em um Mundo caótico, o mesmo onde caímos enquanto humanidade desde a nossa expulsão do Paraíso. A vivência, ou a sobrevivência, desde então passou a ser tarefa nossa. Talvez por isso o choro, o choro da angústia e da reprovação pela condição que nos foi imposta. Quiçá…

Por essas e outras, não à toa John Milton, pela verve do Iluminado, apresentou, na famosa obra “Paraíso Perdido”, uma contundente defesa, com tons demasiado questionadores, da própria condição humana em face da prerrogativa divina, a saber: “[…]. De uma árvore fatal comer não podem. E essa… Árvore da Ciência se intitula. E Deus, por que lhe veda? Só na ignorância lhes é dada a vida?”. Pois é…

Já para Dante, tal como posto na primeira parte da célebre “Divina Comédia”, a verdade é que os lugares mais quentes do Inferno “são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempos de crise”. Não é nada sem razão a assertiva. Sendo que o falecer em vida não é o bastante para quem, em quadras coléricas, age como Pilatos, fazendo apenas “lavar as mãos”. Não… isso não.

Pois bem. Escrevi, outrora, aqui neste espaço semanal, acerca da Justiça Eleitoral e, sobretudo, fiz uma defesa transparente da instituição, vista por este guri de Bagé não apenas como um ramo especializado do Judiciário nacional, mas como um verdadeiro patrimônio histórico e cultural da nossa Nação. Textos foram publicados em outros espaços e entrevistas, de igual modo, foram dadas a esse respeito, como na Rádio Bandeirantes de Porto Alegre, para o admirado Guilherme Macalossi.

Os tempos eram ásperos. E recentes, bem recentes. Bati nos discursos verificados contra o sistema eletrônico de votação. E fui um crítico voraz de propostas que tramitam no Parlamento, especialmente uma de autoria de um Deputado Federal gaúcho, cujo objeto reside na extinção (isso mesmo!) da Justiça Eleitoral. É muito cara, dizia ele, numa fala tão rasa quanto nascente de rio. Cara mesmo seria a guerra civil, dizia eu. Olhem para a história política do RS, clamava!Bastava isso. Ainda mais sendo gaúcho! As lutas de Assis Brasil estão aí registradas. Julguem como quiserem. Só não vê…

Achei que poderia aliter terminado o contencioso parlatório. Mas, confesso que sem muitas surpresas, não, a charla não se ultimou. Apenas os interlocutores mudaram, através de uma troca de sinal ideológica: da direta à esquerda. E eu? Bom, eu sigo o mesmo,sendo que a defesa da JEconfigura, sobremodo, uma grande“questão de princípio”, rememorando a pena de um autor norte-americano.

Citarei os nomes. As pessoas precisam saber. O parlamentar do RS é Marcel van Hattem, o da direita – que possui uma bela de uma oportunidade para retirar o respectivo projeto, se é que já não fez (seria oportunista, mas…). E a parlamentar da esquerda é ninguém menos do que a Presidente-nacional do maior partido político brasileiro pós-1988, o partido do atual Presidente da República, a Deputada Federal Gleisi Hoffmann, eleita pelo Estado do PR. E o que ocorreu? Na Comissão que discute a chamada PEC da anistia, a despeito de apresentar críticas à condução da JE quanto às contas partidárias e de campanha, ela simplesmente falou acerca do absurdo que seria o fato de apenas o Brasil possuir uma JE no Mundo. Logicamente a fala possui, no substrato, um ímpeto de extinção. Ela respondeu aos críticos, inclusive ao Presidente do TSE, dizendo que não. A resposta foi pior do que a fala criticada. Sim, é isso que está ali. A extinção da JE. A partir de uma postura, diga-se, que parece encontrar eco nas respectivas odes partidárias, bastando ver a entrevista de Zeca Dirceu publicada no Globo de domingo. O enredo é escandaloso (eis o adjetivo). E eu espero, sinceramente, que haja retratação, uma sem rodeios ou firulas.

Ocorre que extinguir a JE representaria entregar novamente às mãos dos parlamentos o controle e a administração dos processos. E esse é o sistema dos sonhos -talvez o da própria Deputada – para quem tem maioria… a mesma maioria que, com pretensões colonizadoras, não raro subverte.Ocorre que maiorias são eventuais. Oxalá esta constatação venha sensibilizar os atores desta lamentável defesa. Pau que bate em Chico, bate em Francisco. Ou, neste caso, na ideia de Francisca…Criticar sim. Extinguir jamais.

 

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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