PRESERVAÇÃO HISTÓRICA

Candiota possui seis sítios arqueológicos cadastrados no Iphan

Locais preservados estão localizados em áreas que pertenciam à família Lucas de Oliveira

Três, dos seis sítios, foram cadastrados em 2021 Foto: Divulgação TP

No Brasil tanto os vestígios arqueológicos, como os sítios nos quais eles são encontrados, são considerados patrimônio da União. Quer dizer que são bens de todos os cidadãos brasileiros. Por essa razão, obras que representam algum risco a esses bens devem contar com pesquisas arqueológicas para evitar que esses locais sejam destruídos e que com isso se perca a oportunidade de contar a história do lugar que muitas vezes não é conhecida, não possui registro em documentos e livros.

Em Candiota, Capital Nacional do Carvão, seis sítios arqueológicos são cadastrados junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), sendo denominados de Candiotae númerados de 1 a 6. A história dos sítios está diretamente ligada à família de Manoel Lucas de Oliveira – coronel que combateu em inúmeras batalhas, dentre elas a Batalha do Seival. Foi deputado provincial e responsável pela organização do primeiro corpo de Voluntários da Pátria para a Guerra do Paraguai, em 1865.

O Tribuna do Pampa conversou com o coordenador de campo, arqueólogo Marcelo Lazzarotti, que explicou que a pesquisa e o cadastro dos três últimos sítios estão vinculados ao licenciamento ambiental da linha de transmissão que foi construída pelo Grupo Chimarrão, obra da Eletrosul, que sai de Candiota, passando pela Serra do sudeste até Gravataí. “Esse processo foi aberto no Iphan em 2017. Candiota 1, 2 e 3 já eram cadastrados durante construção de uma outra linha. O atual trabalho de monitoramento das obras iniciou a partir de 2020, com o acompanhamento das obras de instalação das torres de energia da linha de transmissão, pois quando um empreendimento vai se instalar é necessário que sejam realizados diferentes estudos para identificar os possíveis impactos da obra no ambiente. Dentre esses estudos está o arqueológico”, explicou Lazzarotti.

Arqueólogo e equipe durante trabalho de pesquisa Foto: Divulgação TP

A HISTÓRIA DO LOCAL DOS SÍTIOS – A estância onde estão localizados os sítios arqueológicos pertencia em meados do século 19 ao coronel Manoel Lucas de Oliveira, sua esposa Inês e a sua irmã Izabel. Os sítios de Candiota são históricos, ou seja, os vestígios encontrados neles estão relacionados a ocupação luso-brasileira. Todos os sítios possuem vestígios da antiga estância que pertenceu a família Lucas de Oliveira. Na propriedade, além da atividade dominante da pecuária, outras eram realizadas pelos trabalhadores. Possuindo lavouras de cereais como trigo, moinho movido a água para a produção de farinhas, quinta com hortaliças e árvores frutíferas e caieiras.

Os trabalhadores da estância, responsáveis por torná-la economicamente sustentável, eram formados tanto por trabalhadores livres, utilizados mais especificamente nas atividades das caieiras, como escravizados. Apesar de Manoel Lucas de Oliveira ter sido contrário a escravidão, tendo alforriado os escravos que sua esposa recebeu de herança, a escravidão em sua família foi sempre presente. Seu avô, Manoel Lucas e sua avó, Izabel do Espírito Santo, chegaram a ter dez trabalhadores em regime de escravidão. Os escravos trabalhavam nas lavouras, nas lidas do campo e em trabalhos pesados como era o de construir as extensas cercas de pedras da propriedade. Os trabalhadores que realizavam essas atividades eram os escravos pedreiros que dominavam o conhecimento da construção na técnica de junta-seca, na qual se constrói apenas encaixando as pedras sem a ajuda de argamassa. Durante a pesquisa histórica foi identificado no inventário da irmã do coronel, Izabel, um documento que trás o nome de dois desses trabalhadores, os pedreiros João e Joaquim. Devido a especialidade que dominavam, seus serviços eram alugados por Izabel para outros estancieiros da região.

IMPORTÂNCIA – O jornal questionou o arqueólogo acerca da importância e valorização dos sítios arqueológicos para o município de Candiota, assim como para seu próprio trabalho. O profissional falou em surpresas. “Me surpreendi com a riqueza dessa história e, de certa forma, com o desconhecimento da população quanto a história do próprio município. Ocorreram fatos históricos de importância regional e nacional, principalmente a história da Revolução Farroupilha, Combate de Seival. Um problema histórico é a falta de documentação sobre o cotidiano dessas pessoas no passado, especialmente dos trabalhadores e escravos, há registros apenas de forma indireta. A valorização dos locais só vai acontecer quando as pessoas conhecerem a história e entenderem que não são apenas ruínas ou prédios velhos, são testemunhos de um período histórico remoto que faz parte de um longo processo que antecedeu o momento vivido atualmente, são capítulos da história. É um privilégio Candiota possuir tantos locais preservados, mesmo ruínas, que ainda podem ser preservados”, manifestou Marcelo.

O arqueólogo faz sugestões quanto a preservação histórica da cidade e alerta para as responsabilidades criminais. “O ideal seria fazer um levantamento de remanescentes de estâncias de Candiota, e isso vale para outros municípios. Fazer levantamento dessas antigas sedes e verificar frente a população e administração, quais delas tem história para cadastramento, garantindo proteção para essas áreas, pois ao ser cadastrado como sítio, há um mínimo grau de proteção. Se houver depredação e a pessoa for identificada ela pode ser penalizada criminalmente. De certa forma se evitaria que essas depredações ocorressem. Além disso, como o local já está sobre proteção do Iphan, a cada nova obra ocorrerão exigências de compensações e é uma forma sem custos para o município de estudos e resgates históricos. Um museu municipal, com setor de arqueologia e endosso (local cadastrado pelo Iphan para receber vestígios arqueológicos) também seria de grande importância”, destacou Lazzarotti.

Mapa com localização dos sítios arqueológicos em Candiota Foto: Divulgação TP

Conheça um pouco da história
ligada a cada sítio arqueológico

* Relatos do arqueólogo Marcelo Lazzaretti

Os sítios arqueológicos de Candiota foram cadastrados em duas etapas. Os três primeiros, em, 2016, durante a instalação de outra linha de transmissão pela arqueóloga Deise Scunderlick, e os três últimos, pelo arqueólogo Marcelo Lazzarotti. Cabe destacar a contribuição do historiador Cássio Lopes com informações sobre as áreas dos sítios arqueológicos. Confira abaixo, a descrição de cada sítio feita ao TP pelo arqueólogo.

– Candiota 1 – Cercas de pedras que delimitam uma invernada, antigo Potreiro Grande; com extensão de 2,5km – as cercas de pedras tinham diferentes funções em uma propriedade. No século 19, a partir de 1850, surgiu a Lei de Terras que determinava uma melhor delimitação das propriedades. O uso da cerca de pedra foi uma saída, eram utilizadas como cercas de divisas de fazendas lindeiras ou para delimitar invernadas, como é o caso do Candiota 1, que delimitava os campos onde era encerrado o gado no período de engorda. Está vinculado a estância que pertencia ao coronel Manoel Lucas de Oliveira no período escravocrata. O coronel era anti-escravocrata e recebeu uma família de escravos como herança, dando alforria já no ato. Conforme as pesquisas, outros familiares continuaram com escravos e as cercas foram feitas com mão de obra escrava. Em um documento encontrado no inventário da irmã de Manoel Lucas de Oliveira, que ao que tudo indica morava na propriedade, Izabel Lucas de Oliveira, havia nomes de dois escravos, o João e o Joaquim, denominados como pedreiros.

Sítio Candiota 1 foi o primeiro a ser cadastrado Foto: Divulgação TP

RECUPERAÇÃO – Como já era cadastrado junto ao Iphan, o Candiota 1 era uma área protegida. Durante as obras de instalação das torres de energia, um dos trechos coincidiu com o da cerca, que acabou sendo destruída. Houve o relato junto ao Iphan e como medida de compensação foi exigida a reconstrução do trecho, feita por um mestre taipeiro, com conhecimento na construção de cercas de pedra. A técnica não utiliza qualquer tipo de argamassa ou rejunte. A obra foi feita pelo bageense Luis Mário Alves Araujo, que trabalhou toda vida neste ofício, com a coordenação da arquiteta Verônica Di Benedetti. O local também recebeu placas de sinalização com informações sobre o sítio.

Parte da cerca de pedras do Candiota 1 foi reconstruída por profissional especializado Foto: Divulgação TP

Jonas de Moraes, coordenador das Secretarias de Cultura e Turismo de Candiota, visitou o local que passou por recuperação e conheceu a história dos sítios. Ao TP, ele disse que há um grande apoio das pastas para o fomento ao turismo e resgate da cultura local. “Há idéias, no futuro, da realização de passeios guiados e orientados. Primeiramente deverá haver um processo de conscientização na comunidade quanto à preservação dessas áreas e o seguimento de um plano para que tudo isso ocorra”, disse Jonas.

– Candiota 2 – Ruínas da primeira sede da estância, o Rancho Velho da Gamboa; ruínas de uma construção em pedra da primeira metade do século 19, dentro da área de propriedade do coronel Manoel Lucas de Oliveira. Pode ter sido a primeira sede da estância. Antes pertencia aos pais da esposa de Manoel (sua sobrinha), Inês. Antes, praticamente todo território de Candiota pertencia a avó de Manoel Lucas de Oliveira, Izabel do Espírito Santo. Tem ligação direta com Candiota 1, pois há vestígio de abertura de porteira que dá acesso ao primeiro sítio cadastrado.

Ruínas da primeira sede da estância, Rancho Velho da Gamboa – Sítio Candiota 2 Foto: Divulgação TP

– Candiota 3 – Cercas de pedras de delimitação da propriedade com as estâncias de Santa Rosa e da Cachoeira também pertencentes a família Lucas de Oliveira no século 19.

Cerca de pedra de delimitação da propriedade – Sítio Candiota 3 Foto: Reprodução TP

– Candiota 4 – Trata das ruínas da sede da estância do coronel Manoel Lucas de Oliveira. Está localizada em área mais alta que os demais sítios. Indícios apontam que a construção foi feita em meados do século 19, até cerca de 1865, porque no diário do coronel – posteriormente publicado em livro -, de quando ele ficou de responsável pela regimentação de tropas para levar para guerra do Paraguai, ele relata esse breve período e curiosamente, trata muito do cotidiano na estância. Alguns trechos remetem a obras que se supõem ser na sede da estância. Apesar de estancieiro e figura influente, terminou pobre con siderando os padrões da época para sua classe social. No seu falecimento a casa já estava em mau estado de conservação, segundo informações constadas em seu inventário. É provável que o período de uso da casa não tenha sido muito longo.

Ruínas da sede da estância do coronel Manoel Lucas de Oliveira – Sítio Candiota 4 Foto: Divulgação TP

– Candiota 5 – Trata do sítio referente ao cemitério da família Lucas. Fica próximo a sede da estância. É o local que se encontra mais arruinado. Segundo pesquisas e conversas com moradores, em meados do século 20, quando construída a Cimbagé, túmulos teriam sido violados. Um ou outro apresenta relativa preservação. Possivelmente os escravos da propriedade tenham sido enterrados também neste cemitério. É uma construção do início do século 19, no período em que a propriedade era ainda da irmã de Manoel Lucas.

Referente ao cemitério da família Lucas – Sítio Candiota 5 Foto: Divulgação TP

– Candiota 6 – É uma sede de fazenda que se supõe que seja do final do século 19 quando a propriedade do coronel já havia sido fragmentada por herança e dividida entre sobrinhos e afilhados, pois o coronel não tinha descendência, um filho que teria tido faleceu. Está localizada na sede da Associação dos Funcionários da Mina de Candiota (Afucan), bem preservada e ainda utilizada pelos funcionários da mina. É uma construção toda em pedra, feita em argamassa de areia, porém mais modesta.

Sede de Fazenda, está localizada na área onde hoje é a Afucan Foto: Divulgação TP

SÍTIOS FUTUROS – Outros dois locais foram visitados pelo arqueólogo Marcelo Lazzarotti e equipe, as Caieiras e o antigo Moinho de Rodízio. Segundo Marcelo, o objetivo é que se consiga cadastrar os dois lugares, no fuuto, como Candiota 7 e Candiota 8.

Conforme o arqueólogo, as caieiras, locais onde se produzia cal a partir do cário, estão localizadas próximas ao Arroio Candiota. São fornos com aproximadamente 5 metros de diâmetro por 15 metros de altura. Construção robusta e de acordo com o diário do coronel se conclui que foram construídas por ele em meados do século 19. Relatos do diário do coronel Lucas apontam testes que estavam sendo feitos para calcinar adequadamente o calcário e produzir cal virgem.

O Moinho de Rodízio também está localizado as margens do Arroio Candiota, mais para noroeste das Caieiras. É um local muito bonito, com espécie de remanso que forma um lago e uma cascata. Segundo pesquisas de Lazzarotti, era um moinho utilizado para moer grãos para fazer farinha. O moinho, com vestígios estruturais preservados, estava junto ao arroio porque funcionava por meio da força da água, que era canalizada e levada até o moinho. O sistema utilizado no moinho era muito utilizado em Portugal, onde a roda que faz o moinho funcionar ficava na horizontal. O local tinha ligação direta com a propriedade de Manoel Lucas de Oliveira, mas em meados do século 19, já fazia parte da propriedade da família Monte. A área pertencia a uma tia do coronel, Florência Lucas de Oliveira, casada com José Albino do Monte. Curiosamente, a família que mora ao norte da usina, ainda é da família do Monte que tem a sede da propriedade preservada.

* Originalmente este conteúdo foi publicado no jornal impresso

Comentários do Facebook