DUAS DÉCADAS DE SAUDADE

Casinha da Emília em Uruguaiana: mãe lembra os 20 anos da tragédia que tirou a vida do filho

Residente há 10 anos em Candiota, Marion Rodrigues falou sobre o sentimento e a saudade do pequeno Giovani

Giovani tinha pouco mais de dois anos e pediu para ir à escola Foto: Reprodução TP

“Quando uma mãe perde um filho, todas as mães choram”. “Quando uma tragédia abala uma família, abala um município”. Neste sábado (20), a dor de uma mãe que reside há 10 anos em Candiota chegou ao Tribuna do Pampa, que através deste material, recorda e se sensibiliza com sua dor.

Com o auxílio do trabalho experimental de conclusão de curso da jornalista da cidade de Uruguaiana, Bruna Falcão, o TP traz a história do incêndio da Creche Municipal Casinha da Emília, ocorrido em 2000, em Uruguaiana, que está completando 20 anos e continua abalando o coração das mães das 12 crianças mortas naquela data.

“A gente segue vivendo, mas fica aquele vazio na vida da gente. Talvez isso só vai se apagar da minha memória o dia que eu morrer, fora isso lembro de tudo que aconteceu naquela tarde fria”. Desta forma desabafou emocionada à reportagem do TP, Marion Cristiana Rodrigues, mãe do pequeno Giovani Camargo da Rosa, de 2 anos e 9 meses, vítima do incêndio na creche.

Em poucas palavras – devido a dor da data – Marion, que hoje tem os restos mortais do filho mais próximo após fazer o translado para a Capital Nacional do Carvão, relatou ser um período bastante difícil, ano após ano. Ela contou que prefere ficar calada e se isolar dentro de casa. “Todo dia 19 de junho, um dia antes da tragédia, eu já fico pensando o dia inteiro no que aconteceu. Sempre fico apreensiva, chorona, não é fácil. No dia 20 prefiro ficar isolada, sozinha, sem conversar com ninguém, até mesmo dentro de casa. São horas que martirizam minha cabeça. Nos dias 20 de junho quando levanto, lembro que no dia do incêndio, naquele horário, meu filho ainda estava vivo. Todos os anos passa um filme na minha cabeça”, contou a mãe que há poucos anos recomeçou a montar a árvore de Natal após sua vida ter mudado completamente.

Marion ao lado do filho antes da tragédia Foto: Reprodução TP

SOBRE O INCÊNDIO – O incêndio ocorreu por volta das 13h40min na Creche Municipal Casinha da Emília, localizada na Rua Emílio Brand, bairro Cohab II, deixando 12 crianças mortas, todas da mesma sala e com idades entre 2 e 3 anos. Apenas uma sobreviveu. Giovani Camargo da Rosa, filho de Marion e de Giovani Camargo da Rosa, também já falecido, estava entre as vítimas.

À jornalista Bruna Falcão, ela contou sobre o dia da tragédia: “Quero ir na escolinha, mamãe, brincar com meus coleguinhas”, disse Giovani Camargo da Rosa Filho, 2 anos e 9 meses, à sua mãe.

Por causa da irmã que estava com hepatite – doença contagiosa – Giovani tinha ficado oito dias sem ir à creche. Naquela terça-feira, Marion Cristina Bitencourt Rodrigues (45) perguntou ao filho se ele preferia ir para a escola ou para o trabalho dela. Giovani optou pela escola. Se Marion pudesse adivinhar, nunca teria feito a pergunta. Ao deixar o filho na sala do Maternal 2, ela entregou o laudo médico sobre o resultado negativo para Hepatite, o qual a estagiária dobrou e colocou no bolso. “Pedi que cuidasse bem dele, mesmo que ele não estivesse com nada, e ela me falou ‘Pode deixar, mãe. Está comigo, está com Deus’”, relembra Marion, que tem em sua memória a última imagem do filho, dando ‘tchau’ para ela.

Marion ficou sabendo da tragédia através de seu irmão e logo correu até o local. Sem entender o que estava acontecendo, caminhou por todo canto da escola, atrás de seu filho. Com os pés descalços, sangrando muito por causa dos cacos de vidros – estourados pelo fogo -, só perguntava: “Cadê meu filho?!” Em uma sala, foram chamados os pais do Maternal 2.

No local já estavam os médicos do município com calmantes e sedativos para injetarem nas mães que não aguentassem a informação que estava por vir. Marion, cansada de procurar, resolveu sentar-se em um pneu, debaixo de uma árvore, e começou a vomitar – sintoma comum em situações de nervosismo. Até que sua tia chegou com a informação: “Não adianta mais procurar, minha filha”. Marion insistiu: “Acharam ele?” E a resposta foi: “Ele se queimou muito e não aguentou”. A mãe desmaiou.

O choque nunca mais deixou Marion como antes. Nas primeiras semanas, ela não queria sair da cama nem mesmo para comer ou tomar banho. Ficou totalmente desestruturada a ponto de chegar a dormir os primeiros dias no cemitério. O afastamento da família e dos amigos foi automático, já que a convivência com eles aumentava a dor por rememorar a época em que o filho estava vivo. Hoje consegue seguir em frente, administrando, como pode, a dor. “Bem nunca mais vou estar, carrego um vazio que jamais será preenchido. Mas levo a vida como Deus quer”, desabafa.

Como se não bastasse a perda do filho, Marion enfrentou também a do marido – que morreu logo depois do incêndio. Não sabendo lidar com tamanha tristeza, resolveu ir embora de Uruguaiana para se reconstruir e tentar uma vida nova. Atualmente mora em Candiota com seus filhos e enfrenta uma luta diária contra o câncer, no qual descobriu há cinco anos. Frequentemente puxa da memória as lembranças felizes do que passou com o pequeno Giovani, evocando o brilho que ele tinha em seu olhar, que enchia o coração de alegria. Por mais que tente, contudo, não consegue esquecer aquele dia nem perdoar as responsáveis. “As culpadas apenas prestaram serviços comunitários. Onde está a punição?”, questiona a mãe, inconformada com as decisões da justiça.”

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