Sobre um livro que já nasceu clássico

Já escrevi aqui neste espaço acerca dos clássicos. Ou acerca do que seria um clássico. Friedrich Nietzsche (1844-1900) escreveu que a intimidade com os clássicos nos deixa céticos. E, todavia, que essa aproximação íntima seria o único caminho de salvação para a miserável educação moderna. Mas, no universo da escrita, o que caracteriza um clássico? Muito já se falou acerca disso, a partir de diversos estilos. Não estamos, a ressalva é importante, falando aqui do “classicismo”, movimento que despontou na Europa do período do Renascimento, como que a resgatar a cultura greco-romana, fator que, aliás, compôs parcela deste movimento ruptural para com a Idade Média. A pergunta de hoje, tal como feita outrora, é: o que torna um livro uma obra clássica?
O Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa apresenta o clássico como aquele que serve de modelo, que é exemplar. Já Ítalo Calvino (1923-1985), dedicando uma obra inteira ao assunto, apresentou uma série de justificativas a indicar um clássico, tais como, p. ex.: a) os clássicos são aqueles livros sobre os quais você costuma ouvir pessoas dizendo “estou relendo”, nunca “estou lendo”; b) um clássico é um livro em que a cada releitura oferece uma sensação de descoberta e; c) um clássico é um livro que nunca esgota tudo o que tem a dizer a seus leitores. As definições são instigantes e, por si sós, já fazem pensar muito. Um clássico, assim, seria, talvez, aquela obra que, do passado, vem para iluminar o presente. Clássico é o livro que é sempre atual, que vence otempo, enfim, um referencial permanente.
Na segunda-feira passada, dia 12, tive o prazer de falar em um valoroso evento realizado pelo Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), ocasião na qual, na presença do Desembargador Rogerio Gesta Leal, do Dr. André Linck e do juiz federal Bruno Hermes Leal, ocorreu o lançamento do livro “Compliance Partidário: perspectivas críticas”, de autoria dos dois primeiros. O evento – “Direito Eleitoral em Debate” – foi muito proveitoso, onde não apenas falei, como ouvi. E aprendi bastante com os colegas. Registro, então, os efusivos parabéns pela iniciativa e, mais do que isso, os meus sinceros agradecimentos pela oportunidade de dividir bancada com pessoas tão qualificadas.
Já quanto ao livro, como disse no evento, estamos, seguramente, diante de uma obra que já nasce clássica. E isso não é exagero algum. Não tenho dúvidas de que a obra é referencial, inclusive como farol a iluminar os debates parlamentares. Não tenho dúvidas de que a ela iremos e voltaremos. E, no mais, particularmente, também não tenho dúvidas de que muitas edições virão pela frente.
Senhoras e Senhores, estamos hoje imersos em um modelo de financiamento da política que é predominantemente público. Noutras palavras, a fonte é dos recursos é majoritariamente pública, valendo citar, no âmbito partidário, o conhecido Fundo Partidário e, no âmbito eleitoral propriamente dito, o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas. Ao mesmo tempo, vivemos em uma República. E a República ou o princípio republicano demanda, dentre outras coisas, transparência no trato da coisa pública, demanda aquilo que os norte-americanos chamam de accountability. Dinheiro, no mais, é poder, sobretudo de considerarmos que a democracia custa. Lembrando aqui, então, da velha afirmativa de Montesquieu, “quem tem poder tende a dele abusar”. Logo, os mecanismos de controle, inclusive no âmbito interno, devem estar postos. Pois é exatamente aí que o livro se insere.
Por um lado, como uma ode à transparência. De outro, como um importante vetor de compreensão acerca da necessária accountability que deve nortear a aplicação dos recursos partidários ou eleitorais, assim como a própria estrutura interna da agremiação. Lida, então, a obra, com o aperfeiçoamento desse sistema, a partir da criação e consolidação de mecanismos internos de controle, o que faz reforçar a absorção do republicanismo no âmago dos partidos políticos brasileiros.
Portanto, a obra escrita pelo Dr. André e pelo Desembargador Rogerio merece os parabéns pela iniciativa, pelo arrojo e pelo fato de os autores terem entregado à comunidade jurídica brasileira um estudo de muito fôlego. Um estudo, ao fim e ao cabo, que brota como sendo um clássico, dada a sua profundidade, o seu caráter prescricional, além de um conteúdo inovador e precursor acerca de um tema atual e relevante à nossa democracia. Oxalá que as ideias constantes do escrito, porquanto demasiado adequadas, frutifiquem. Os méritos para tanto não são poucos.

 

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