Democracia para quem não acredita

A coluna semanal de hoje traz uma sugestão literária. E a indicação de leitura é a obra “Democracia para quem não acredita” (Editora “Letramento”), de Georges Abboud, um convicto defensor da democracia e da possibilidade de uma existência coletiva que permita a todos, indistintamente, o acesso a uma vida digna. Georges é professor da PUC-SP e do Instituto Brasilense de Direito Público (DF e SP). É Mestre, Doutor e Livre-Docente. Advogado e consultor jurídico, também é autor de várias outras obras, dentre as quais os livros “Processo Constitucional Brasileiro” e “Direito Constitucional Pós-Moderno”, ambos publicados pela Thompson Reuters. É um crente na potência da educação, assim como nós outros o somos. E a obra em questão, por sua vez, é dedicada a cada indivíduo descrente na democracia, na esperança de lembrá-lo de sua existência política. O livro é fantástico. E, embora escrito por um jurista (dos melhores, registre-se), não se trata de uma obra jurídica propriamente dita, mas, sim, de um escrito direcionado a outro público, um novo público sem necessária formação jurídica, a quem, num genuíno convite à trincheira da lucidez, convida para uma missão relevante: convencer os descrentes da importância da proteção da nossa democracia.
Dividido em onze capítulos, o livro “Democracia para quem não acredita” lida com temas dos mais diversos: democracia e constitucionalismo, democracia e accountability, democracia, legalidade e common ground, democracia, demagogia, respeito mútuo e forbearence, democracia e dignidade, democracia e minorias, democracia e seus inimigos, democracia e polarização, etc. Trata-se de uma verdadeira união de ensaios sobre a democracia. É fato que as democracias hoje estão atuando ou se defendendo em tempo histórico distinto do da modernidade tradicional. Assim, perante a contemporaneidade, a sociedade e a democracia não se explicam ou fundamentam por visões ou narrativas unívocas, nem mesmo por fundamentos metafísicos. Vivemos, diz o autor, a polifonia dos tempos complexos que tem desafiado Estado e democracia constantemente, em especial por causa das novas tecnologias e da globalização. Logo, justamente para compreender a complexidade, é que Georges apresenta tais ensaios condensados em livro, afinal, como ele mesmo adverte (e bem!), a complexidade, se não compreendida, ou tratada como aliada, pode se transformar em um dos maiores riscos para a democracia, pois, o populista, à esquerda ou à direita, é, antes de tudo, um parvo simplificador da realidade e dos problemas.
Não basta que a escolha dos governantes seja democrática se a democracia não constar no agir do governo eleito. Afirmar que a democracia é o governo do povo é muito pouco para realmente tratarmos da sua essência, e o motivo é simples: a maioria, muito mais do que nosso otimismo na humanidade indica, degenera. A soberania popular configura elemento essencial da democracia, posto que a vontade do povo é a fonte de legitimidade da autoridade do poder. Porém, inexiste democracia se a maioria subjugar a minoria. Eis algumas das ideias constantes da obra.
Tiago Correia e o gaúcho de Bagé que vos escreve trocavam algumas falas nestes últimos dias. Tiago é um amigo, irmão, e, bem sabemos, um dos maiores artistas do estado. Um verdadeiro poeta, diríamos. E foi aí, a partir de reflexões nossas, que veio à tona um belo trecho da música “Bandeira de paz”, de autoria de Tiago, que se encaixa perfeitamente com aquilo que está posto e exposto na obra de Georges: “Para que servem outras bandeiras se o Homem é destruidor?”. A bandeira da democracia constitucional serve justamente para brecar tais ímpetos belicosos. E, como Tiago mesmo escreve, é por esse caminhar, tal e qual o pólen da flor, que um dia, através do vento, “se semeará paz e amor”. Seguiremos o passo, dessa forma, lutando por nossos direitos. E sempre com a alma desarmada.
A mensagem passada por Georges é riquíssima, portanto, podendo ser perfeitamente condensada por uma passagem da famosa peça de Bolton, “O homem que não vendeu a sua alma”: num mundo sem lei, cara a cara com o Diabo, “crês realmente que poderias resistir com bravura aos ventos que se levantariam contra ti?”. Por essas e outras, enfim, é que “Democracia para quem não acredita”, de Georges Abboud, já nasce como um clássico. E a leitura, sobretudo para quem é um descrente na democracia, se afigura como indispensável.

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