Despedidas

Dia desses me enviaram um vídeo que visava dar algumas lições interessantes para pessoas que já passaram dos sessenta anos, como eu. A maioria das mensagens tinha um viés otimista, nem todas. Uma dessas dizia “Nada nos deixa mais velhos que a morte dos que conhecemos quando éramos jovens”.

Quando se tem quase setenta anos a partida dos amigos ou conhecidos se torna mais frequente, é normal. Não cabe dizer o mesmo no sentido de que aceitamos com normalidade, ainda que melhor seja aceitar. É a vida.

Com as coisas acontecendo e mudando todo dia, temas que deveriam ter abordado ficaram para depois e o depois foi ficando para mais tarde. Assim, quando no final do ano passado, um pouco depois do que seria normal, morreu o ex-governador Alceu Collares nem dediquei algumas linhas a este amigo de tantas décadas que foi de uma utilidade extraordinária para o município e o povo de Hulha Negra. Quando prefeito, peguei dois anos de Collares como governador. Com ele consegui o grupamento da Brigada Militar, a Emater, a ponte sobre o Rio Negro, veículos para transporte escolar, todo Daer fazendo estradas na região dos assentamentos e muitas coisas mais, como o único conjunto de casas populares, 14, realizadas quando Collares já era deputado federal, nos anos 2.000. Quando o governador questionava: – Como consegues tantas coisas? Eu respondia: – Digo que sou bageense e seu amigo, os secretários preferem me atender. Os secretários sabiam que era verdade. Quando deputado, esteve em Hulha Negra, questionou: – Como conseguiste fazer 14 casas (com os R$100.000,00 de uma emenda dele)? Expliquei que paguei toda mão de obra com recursos do município. Além de governador e deputado, uma figura humana diferenciada que de certa forma também cuidou de mim como coordenador do curso de formação política que fiz na Universidade Aberta do Brasil. Como forma de homenagear, no dia de sua passagem, cantei e toquei o samba de Sapiran Brito que foi enredo da Escola de Samba que homenageou Collares em Bagé no início dos anos 2.000. Minha irmã colocou nas redes sociais e mais de mil pessoas acessaram.

A vida é um incêndio: nela dançamos, salamandras mágicas. Que importa restarem cinzas se a chama foi bela e alta?

Pois não é que dias atrás lá se vai o Sapiran. Este não foi nem muito antes nem muito depois da hora, aos 78 anos oficialmente, mas Zeca Brito me disse uma vez que Sapiran foi registrado uns anos depois com alguns anos a menos. Logo, devia ter mais de 80. Um talentoso ser humano apaixonado por Bagé, pela história de Bagé, pelas artes de Bagé e por todas as formas de manifestações das habilidades humanas. Um intelectual com profundo conhecimento geral. E como todos os que são pontos fora das curvas, pouco compreendido pela sociedade onde vivia. Quando nos anos 2010 se candidatou a prefeito de Bagé me chamou para dar um depoimento veiculado na campanha. Fiz o depoimento. Logo depois,

conversando disse “Tu vai ser meu secretário da fazenda. Tu cuida do dinheiro que eu cuido do resto. vamos fazer o maior governo da história de Bagé”. Eu, que era auditor federal ainda na ativa, disse que não tinha interesse no cargo, mas que se fosse com ele de prefeito viria. Sapiran ficou emocionado.

Como Hulha Negra não pode ficar atrás, e eu já tenho um cemitério grande lotado de pessoas que um dia votaram em mim, se foram o Renato Silveira, que foi vice-prefeito, e a professora Adriana Pereira, que conheci quando diretora da Escola Municipal Monteiro Lobato e a quem incentivei para que fosse vereadora, secretária municipal de educação. Estes se bandearam antes da hora. Mas cada um contribuiu de forma relevante com as comunidades onde viveram. Convivi muito mais com o Renato, desde os tempos de colégio na infância, nos jogos de futebol no lamacento, campo que havia nos fundos do colégio.

A quem ficou resta o consolo de Mário Quintana que em um de seus poemas resumiu, “A vida é um incêndio: nela dançamos, salamandras mágicas. Que importa restarem cinzas se a chama foi bela e alta?

JÁ FOI CONTEÚDO NO IMPRESSO

 

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