No Brasil de 1990, uma em cada cinco crianças e adolescentes estava fora da escola, e uma em cada dez, entre 10 e 18 anos, não estava alfabetizada. A cada mil bebês nascidos vivos no país naquele ano, quase 50 não chegavam a completar um ano, e quase 8 milhões de crianças e adolescentes de até 15 anos eram submetidas ao trabalho infantil.
No mês que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela lei 8069 em 13 de julho, completa 30 anos, o Tribuna do Pampa procurou o Conselho Tutelar (CT) de Hulha Negra para falar da importância do documento para as crianças e adolescentes, bem como repassar recomendações as famílias no período da pandemia causada pelo novo coronavírus.
A equipe de Hulha Negra é composta pelas conselheiras Denise Hösel, Vivian Feijó, Lenir Hellwing, Geneci Mello e Alice Veiga e, em nome do grupo, Denise lembrou que o ECA é considerado um marco de proteção de direitos da infância e com base na proteção integral, todas as crianças e adolescentes tem direitos legais e proteção plena. “A importância do ECA nos dias atuais seria o reconhecimento das crianças e dos adolescentes como sujeitos protegidos por lei, precisamos reafirmar essa proteção, principalmente em um período de intenso desenvolvimento psicológico, físico, moral e social. Como conselheiras, estamos aí para colocar a constituição em prática”, afirma.
Com a pandemia do novo coronavírus e o distanciamento social, a rotina das famílias foi modificada. Com aulas presenciais sem uma previsão certa para retomada, chefes de família sofrendo impacto no serviço e até mesmo demissões, as famílias precisaram se adaptar a novas rotinas, tanto com relação aos afazeres e atividades familiares, como a redução econômica, o que em muitos casos, acaba gerando conflitos.
Em uma grande parcela da sociedade, a falta de tempo para os filhos devido jornada de trabalho, deu lugar ao tempo de sobra e, em muitas ocasiões, perca de paciência devido as privações e convivência mais intensa. Pensando nesse contexto, o TP solicitou recomendações ao CT.
Segundo o grupo, é necessária uma maior atenção e paciência por parte dos pais ou responsáveis, bem como não deixar de lado o cuidado sanitário para evitar a contaminação por Covid-19. “Nesse tempo de isolamento social pedimos que os pais ou responsáveis tenham mais atenção e paciência com seus filhos. Sabemos que é difícil ficarmos em casa e que eles não param, muitos são agitados, mas pedimos que não os deixem saírem para casa de amigos, para ruas. Todos devem seguir as orientações recebidas pelos decretos municipais, devem usar máscara, álcool gel e lavar bem as mãos. Embora a doença em crianças não seja tão prejudicial, elas se tornam importantes transmissores do vírus. Cuidem das nossas crianças, aproveitem o tempo com elas”, sugere o CT.
ATENDIMENTOS – Sobre os atendimentos durante o período da pandemia e que permeiam a maior parte dos meses de 2020 e de atuação das conselheiras, Denise diz não terem sofrido alterações. “Nossos atendimentos seguem normal nesse tempo de pandemia, o que está calmo são as Fichas de Comunicação de Alunos Infrequentes (Ficais) por não estarem ocorrendo as aulas presenciais nas escolas. Por enquanto os materiais estão sendo encaminhados aos alunos e até hoje não temos nenhuma reclamação quanto aos pais não estarem auxiliando os filhos ou sendo negligentes”, relata Denise.
De acordo com o CT, de janeiro até os primeiros dias de julho foram contabilizados 379 atendimentos, desde visitas domiciliares, escolas, certidões de nascimento, notificações, advertências, assistência social, ocorrências com Brigada Militar e atendimentos de saúde ou no Centro de Referência da Assistência Social.
O CT, localizado na rua Laudelino da Costa Medeiros, 1557, está com atendimento normal pelo plantão, através do telefone (53) 9.99306085. Diretamente na sede, contatos podem ser feitos também pelo telefone (53) 3249.1321, das 8h às 12h e das 13h às 17h30.
HISTÓRIA DO ECA – Para pesquisadores e defensores dos direitos dessa população, o país deu um passo importante. Passadas três décadas, o percentual de crianças e adolescentes fora da escola caiu de 20% para 4,2%, a mortalidade infantil chegou a 12,4 por mil, e o trabalho infantil deixou de ser uma realidade para 5,7 milhões de crianças e adolescentes.
O estatuto considerado parte desses avanços é fruto de um tempo em que a concepção sobre os direitos das crianças e adolescentes mudou no país e no mundo. O coordenador do Programa de Cidadania dos Adolescentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Mario Volpi, conta que o Brasil participou ativamente das discussões internacionais que culminaram, em 1989, na Convenção Sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU), assinada por 196 países.
Mesmo antes de esse acordo ter sido ratificado no Brasil, em 1990, os conceitos debatidos na ONU contribuíram para a inclusão do Artigo 227 na Constituição Federal de 1988. A partir dele, tornou-se “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
O ECA parte do Artigo 227 e consolida todo o debate que o antecedeu, declarando crianças e adolescentes sujeitos de direito, aos quais devem ser garantidas a proteção integral e as oportunidades de desenvolvimento em condições de liberdade e de dignidade. Com isso, houve uma mudança conceitual com relação ao Código de Menores, de 1979, que estava voltado a repressão de crianças e adolescentes em situações irregulares, como crianças órfãs, pobres, em situação de rua ou em conflito com a lei.