Editorial – Bom debate

A polêmica do hino é um bom debate, os argumentos de lado a lado vão fazendo a gente trocar de posição a cada nova argumentação. A história não é imutável, até porque ela é uma ciência. Nesta semana, o deputado estadual e ex-prefeito bageense, Luiz Fernando Mainardi (PT) colocou mais lenha na fogueira, dizendo que vai apresen­tar um projeto de lei para mudar o trecho em que diz que ‘Povo que não tem virtude, acaba por ser escravo’.

Vi um historiador dizer que os Lanceiros Negros, naquela madrugada no Cerro dos Porongos – aqui em Pinheiro Machado, foram traídos, chacinados e morreram es­cravizados, apesar de suas várias virtudes e a promessa de liberdade. E esta não seria a única uma passagem que mancha a Revolução Farroupilha como um movimento que prometeu, mas não lutou de fato pelo fim da escravidão.

Outro argumento, em sentido contrário, é que o hino afirma a necessidade do cultivo de valores virtuosos para que um povo se mantenha em liberdade, por meio da manutenção da capacidade de decidir segundo seus próprios valores. A utilização da palavra escravo está no sentido figurado, sendo o vício entendido como o oposto da virtude, como o fator escravizante. O escravo também seria a forma como o sul rio­-grandense ficaria sendo tratado e submetido aos desmandos do Império, caso não houvesse tomado alguma atitude por parte dos farroupilhas.

Há quem diga, que a palavra escravo ou escrava não é a correta a ser usada, e sim o termo é escravizado ou escravizada, especialmente no caso do povo africano, que foi arrancado à força de sua terra natal e que no Brasil foi o período mais longo (cerca de 300 anos) desta passagem, quem sabe uma das mais terríveis e vis da humanidade. Além do mais, há o debate da chamada licença poética, precisando entender o contexto que o hino foi escrito. Porém, existe a literalidade da frase, que de fato diz que um povo sem há virtude, vira escravo.

Se deve ou não mudar o hino, nos parece que há bons argumentos entre quem defende a mudança e quem não. Mas o inadmissível é usar este debate para relativizar, como sempre, o racismo estrutural na sociedade brasileira e no caso específico gaúcha.

Usemos a proposta de mudança, que pode ou não se concretizar (e parece que não vai alcançar maioria no Legislativo), não para nos dividirmos novamente entre imperiais e farroupilhas, chimangos ou maragatos, colorados e gremistas, e sim para refletirmos nossas posturas, repensar com mais realismo e menos romantismo nossa história, acolhendo a todos e todas que ajudaram e ajudam a construir esta terra tão maravilhosa.

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