Escrevendo histórias de carreteiros – João Kapincho

Por Mozart Gravi

Quando era criança, morou e morreu em nossa casa, lá na Restinga, 2ª Zona de Pinheiro Machado, o último carreteiro de carreta de fieira destas paragens, João Capincho. Sua carreta era de 2 eixos, 4 enormes rodas, 4 juntas de bois, duas no tiro e duas na tiradeira; os bois do tiro tinham os jugos presos no cabeçalho da carreta; os da tiradeira eram presos por tiradeira de aço, (corrente de aço com elos grandes, com cerca de 3 metros e ganchos nas pontas); a primeira junta era presa na argola na ponta do cabeçalho da carreta e a segunda no gancho do jugo da primeira, contando de trás para frente, assim, esta era a junta da ponta da fieira. Por isto, carreta de fieira, na linguagem dos carreteiros, ou fileira de juntas de boi, na linguagem popular; a cobertura era um toldo de santa fé, que bem poderia ser de couro de vaca ou zinco; sua capacidade de carga era de 5 toneladas, segundo João Capincho, que era analfabeto, por isto, não sei qual a ideia matemática que ele fazia de tonelada. Com essa carreta, ele fazia a linha Restinga/Torrinhas/Cacimbinhas/Pinheiro Machado ao Porto de Pelotas, onde comprava mercadorias nos Armazéns Gerais do Porto, as mais diversas, para vender por aqui. Segundo ele era uma viagem de 40 dias, ida e volta. Ele dizia que tinha carretas com 6 juntas de bois para 8 toneladas. Foi com ele que aprendi a fazer o original e legítimo arroz de carreteiro e o original e legítimo feijão de carreteiro.
O caminho que os carreteiros faziam de Cacimbinhas/Pinheiro Machado ao porto de Pelotas era longo, atravessando campos, marcado por uma trilha. No caso de João Capincho, ele saía lá da Restinga na direção de Pinheiro Machado, por um caminho de carreta que seguia mais ou menos o traçado da atual estrada até Torrinhas para, aí, descer para o caminho da Pedra Grande, mais ou menos margeando o Arroio Boecy e saindo nas Quatro Bocas, subindo pelo Banhado dos Farias (nascente do Arroio Boecy) e embicando para pousar em Cacimbinhas/Pinheiro Machado. De Cacimbinhas/Pinheiro Machado, tomavam a estrada do Passo do Coelho, desciam para o Arroio das Alegrias, varando o passo do arroio Cerro Chato na barra desses arroios e saindo na Estação Basílio, rumando para o Passo da Orqueta, na barra do Arroio Chato com o rio Piratini, varando ele e indo na direção da antiga Estação de Trem de Pedro Osório, hoje Cerrito, dali saindo para a Estação do Capão do Leão, quando, então, imbicavam para o Porto de Pelotas. Algumas observações importantes: 1) Usei o nome duplo “Cacimbinhas/Pinheiro Machado” porque esses carreteiros, quando iniciaram suas histórias de carreteadas era Cacimbinhas; não sei qual era a idade do João Capincho, nem ele mesmo sabia; certa vez perguntei ao meu avô paterno, João Gravi, qual era a idade do João Capincho, a resposta foi que não sabia, mas, dizendo que o velho careteiro era bem mais velho do que ele. Meu avô morreu com 100 anos e, se fosse vivo, estaria com mais de 135 anos. Eu era guri com 12 anos de idade e ele já era homem bem velho quando morreu em 1966 na minha casa. Éramos bons amigos.
Sou neto consanguíneo de carreteiro, João Dias de Oliveira, que não conheci, pois quando meus pais casaram ele já havia viajado para o outro mundo. Sei muito pouco a cerca dele, apenas que era carreteiro e tinha uma carreta de fieira de 4 juntas de bois. Também trazia mercadorias do porto de Pelotas, usando o mesmo caminho para vender em Cacimbinhas/Pinheiro Machado. Contava minha mãe que, quando ele e minha vó casaram, a viagem de lua-de-mel foi uma dessas viagens e, quando retornaram, minha vó já estava grávida da primeira filha, a Lola. Esses carreteiros compravam suas mercadorias nos Armazéns Gerais do Porto de Pelotas e foram sumindo à medida que o trem e o caminhão chegaram às estradas brasileiras como o novo modelo de transporte de cargas lá por meados do século passado.

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