História em discursos: 50 discursos que mudaram o Brasil e o Mundo

Segundo os gregos, a função da oratória é ensinar e deleitar. Eles próprios tiveram grandes oradores, como Demóstenes, e, ao mesmo tempo ou não, grandes teóricos acerca da oratória, como Corax, o fundador da retórica, Aristóteles e Isócrates. Em “A História em Discursos: 50 discursos que mudaram o Brasil e o Mundo” Marco Antônio Villa oferece uma rica viagem pelas palavras e pelos pensamentos que mudaram o Brasil e o Mundo, de Péricles na Atenas antes de Cristo a Santo Agostinho, de Marco Antônio a Cícero, de Robespierre a Thomas Jefferson, de Tocqueville a Lincoln, de Rui Barbosa a Francisco Campos, sem deixar de lado figuras mais recentes, também proeminentes, como De Gaulle, Churchill, Roosevelt, Getúlio Vargas, JK, Martin Luther King e JFK.
É claro que toda seleção contém uma escolha, e que devemos dar um desconto ao encarregado da seleção, sobretudo quando ela é unilateral, como num livro composto pela seleção de discursos. Quais os critérios de seleção, senão os do próprio autor? Ocorre que o professor Villa buscou, com a obra objeto desta coluna, fugir do lugar-comum. Com foco em discursos que contém ideias ainda presentes no mundo contemporâneo, o livro condensa valorosas falas que tiveram grande importância nos momentos históricos nos quais foram proferidas. Trata-se, então, a obra, de um amplo painel a abordar, fundamentalmente, a política e a sua relação com o sujeito ao longo da história, sem nenhum espectro valorativo ou de concordância com os temas tratados e com os solilóquios escolhidos.
Os discursos selecionados, como diz o autor, que é um dos maiores conhecedores da história política e institucional brasileira, foram pronunciados em momentos de intensa disputa política, e representaram, quiçá, grandes pontos de inflexão. Não economizaram, os mesmos discursos, no duro confronto de ideias e de ideais. Raramente o objetivo foi a conciliação. Ao contrário, demonstraram que o franco debate, sobretudo quando calcado em substância, possibilita melhor compreender uma determinada conjuntura política e apresentar caminhos alternativos.
Quanto ao cenário brasileiro, especificamente, Villa apresenta discursos que realmente devem ser conhecidos e não devem ser esquecidos. Dentre eles, podemos referir o discurso proferido por Joaquim Nabuco, na cidade de Recife, em 05 de novembro de 1884, onde afirmou: “acabar com a escravidão não nos basta; é preciso destruir a obra da escravidão”. Também vale registrar o discurso pronunciado por um dos maiores propagandistas da República, Silva Jardim, na São Paulo de 1889, segundo o qual “Sei que tenho diante de mim uma montanha, e que tenho que subir a montanha. Se exausto e ensanguentado rolar cadáver dos seus flancos, possa servir o meu cadáver de ponte de passagem de uma nação de súditos para uma nação de cidadãos”. Ele acabaria isolado quando do golpe militar que derrubou o Império. Logo se desiludiu com o “novo regime”. Referimos, de igual modo, a fala de outro descontente com o “novo regime”, Rui Barbosa, que, em discurso pronunciado no Rio de Janeiro de 1919, afirmou: “O Brasil não aceita a cova que lhe estão cavando. Nada, nada disso é o Brasil”. E a fala de Getúlio Vargas quando de um discurso tendente à defesa do movimento que derrubaria a República Velha, conhecido como Revolução (para muitos, como Décio Freitas, golpe) de 1930 – “Entreguei ao povo a decisão da contenda”. Nos bastidores da fala e do próprio movimento, as fraudes eleitorais tão presentes naquela quadra da história brasileira, de onde derivaria, justamente para contê-las, a Justiça Eleitoral e o Código Eleitoral de 32. Por fim, o discurso de Ulisses Guimarães, no célebre 05 de outubro de 1988, ou seja, na data da promulgação da Constituição Federal, merece ser rememorado: “A Constituição, certamente, não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. […]. A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia”.
Eis que as falas resgatadas no livro de autoria do professor Villa, além de cristalizarem gostosa leitura, traçam relevantes momentos históricos, devidamente contextualizados, cujos conteúdos de fala bem podem, do passado, guiar o presente, para garantir o futuro.

* Originalmente este conteúdo foi publicado no jornal impresso

Comentários do Facebook