Inventário cultural de Bagé

“Na brisa mansa que move as copas altas das palmeiras há um hálito de pampa e fronteira. No colo dos cerros se aninham distâncias disfarçadas de horizontes matizados de céu e campo. As luas se mostram nos quietos remansos entre salsos e sarandis da panela do Candal. Das barrancas sinuosas despencam silêncios aromados de madressilvas, que se embalam nas singelas cantigas que a lira das águas solfeja entre pedras e areia. Vagueiam ternuras, em passos silentes, sobre o leito das calçadas largas, dobrando esquinas, descobrindo rumos, nutrindo sonhos… Sempre haverá razões para sentir o silêncio, entender a distância e cultivar esperanças”. O fragmento que aqui exponho no início desta coluna foi extraído de um belo texto do poeta e compositor bajeense Eron Vaz Mattos, que prefacia uma obra não menos bela, qual seja: “Inventário Cultural de Bagé: um passeio pela história”, de autoria da escritora Elizabeth Macedo de Fagundes.

Em quase seiscentas páginas a autora descreve a história da “Rainha da Fronteira”, dos primeiros habitantes, passando pela demarcação de fronteiras e o “Tratado de Madrid”, até o primeiro Plano Diretor. O livro aborda os antecedentes. As datas importantes. Lida com os primeiros comandantes militares e líderes civis. Dedica espaço destacado ao fundador do Município, Dom Diogo de Souza. Refere os primeiros sacerdotes. Os governos municipais. Fábricas. Residências. Bibliotecas. Os cinemas.  Etc. Destacarei aqui algumas pequenas partes.

O Brasão – idealizado pelo historiador Tarcisio Antonio Costa Taborda e desenhado pelo artista Írio Malafaia. De feição portuguesa, congrega um conjunto de esmaltes e metais, relembrando as cores nacionais e rio-grandenses, sendo que “a lealdade do povo bajeense às instituições está representada pelo azul; prata designa seu caráter nobre e altivo; o verde diz da fertilidade e riqueza dos nossos campos; o ouro, o ardor e a força dos filhos de Bagé; e o vermelho a coragem e a generosidade demonstrada pela nossa gente no oferecimento de seu sangue para a defesa da pátria”.

Os primeiros habitantes – segundo os registros históricos, os primeiros habitantes do sul do Rio Grande do Sul foi o grupo indígena Pampeano, formado por Charruas, Minuanos, Guenoas, Iarós, Chauás e Guaicurus. Na Região da Campanha, o Pampa gaúcho, a porção do nosso território fronteiriço com o Uruguai e a Argentina, viviam principalmente os índios Charruas e Minuanos.

O Forte de Santa Tecla –que serviu, em idos do século XVIII, como marco definitivo da posse dos espanhóis naquelas terras, sob seu poder, já dez anos antes. Cercado pelos portugueses, em 1777, o comandante espanhol ofereceu a rendição do forte. Uma carta foi enviada ao comandante português, com as condições de sua entrega. Anos depois os espanhóis reconstruíram o forte de Santa Tecla e, mais precisamente em 1801, com a conquista definitiva das missões sul-rio-grandenses, o Tenente Coronel Patrício José Correa da Câmara expulsou os espanhóis da segunda instalação do forte, o que representou, com a consequente doação de sesmarias, a consolidação do poder português na região.

A fundação –em 1810 irrompeu no interior do Uruguai um movimento generalizado e espontâneo, chefiado por Artigas, contra os espanhóis. Mediante ordem de Dom João VI foi autorizado que as tropas lusitanas concentradas ao longo da fronteira penetrassem em terras castelhanas para cooperar com os exércitos monarquistas situados em Montevidéu. Foi assim que Dom Diogo de Souza iniciou sua campanha à frente do denominado “Exército Pacificador da Banda Oriental”. Em janeiro de 1811, o Marechal de Campo Manoel Marques de Souza chegou ao local, escolhido por Dom Diogo, aos pés dos Cerros de Bagé, para organizar um acampamento. Desse acampamento seria formado um vilarejo. E, a 17 de julho de 1811, seria consumada a fundação da cidade.

Trata-se, enfim, de uma obra demasiado rica, que mantém e manterá viva a memória da minha cidade natal, para muito além, como consagrado por Vaz Mattos, “das imperfeições humanas, das mutações e dos calendários”.

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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