VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Juíza fala de sua experiência e das ações do Judiciário

Magistrada diz que o tema é considerado uma pandemia global e um problema de saúde pública

Juíza Madgéli Machado atua no 1º Juizado de Violência
Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Porto Alegre Foto: Divulgação TP

A reportagem do Tribuna do Pampa conversou de forma especial com a juíza do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Porto Alegre, a pedritense Madgéli Frantz Machado. Na conversa, pela atuação na área, foram questionados de que forma a magistrada vê o tema de violência contra a mulher atualmente
no Estado, como a pandemia da Covid-19 colaborou para os crimes e que medidas podem ser tomadas para mudar esta realidade, bem como foi abordada a confiança nos órgãos de segurança e ações judiciais. Por fim, ela deixa sua mensagem à sociedade.

VISÃO DO TEMA – De acordo com a juíza Madgéli Machado, a violência contra a mulher é um tema que tem sido pauta em diversos espaços e isso é importante que aconteça. “A Lei Maria da Penha veio com essa proposta de mobilizar e chamar a atenção de toda a sociedade brasileira para um tema que é considerado uma pandemia global, um problema de saúde pública, que afeta mulheres e meninas em diversas etapas de suas vidas”, afirmou.

Ela citou pontos críticos no enfrentamento da violência do- méstica no RS, como a aprovação da lei estadual que cria abrigos para mulheres em situação de violência doméstica e a ausência de programas assistenciais do governo federal, estadual ou municipal, para a inclusão das vítimas que necessitam desse apoio, especialmente para recomeçar as suas vidas. “Sem a possibilidade de acolhimento em local seguro, muitas delas sequer denunciam as violências sofridas. É urgente que essa lei seja efetivada, pois o Estado não pode ser conivente com a violência. Muitas sequer possuem condições de pagar uma passagem de ônibus para se deslocar até os atendimentos, seja na Delegacia de Polícia, seja no Poder Judiciário, ou nos serviços de saúde, ou, ainda, não possuem local para moradia”, expôs.

A magistrada disse ser necessária a criação de políticas públicas a partir dos municípios. “É nas cidades que tudo acontece. Importante que os Poderes constituídos se articulem, que seja criada comissão especial no âmbito do Legislativo para discutir o tema e propor ações para intervenções locais; que o Executivo crie um comitê especial para tratar a questão, crie e especialize serviços/programas para atendimento dos envolvidos na situação de violência doméstica, e que as intervenções comecem pela educação; que o Judiciário seja o articulador dessas ações, inclusive para mobilizar a comunidade e implantar os grupos de reeducação de autores de violência doméstica. A sociedade como um todo tem que fazer parte dessa mobilização. Trabalhar em rede é fundamental, pois somente o
deferimento de medidas protetivas de afastamento e/ou proibição de contato entre as partes, a reeducação e a condenação do autor, não são suficientes para quebrar o ciclo da violência, atender às necessidades das partes e transformar uma sociedade”, sugeriu.

PANDEMIA – O jornal perguntou a juíza se a pandemia de Covid-19 facilitou ações de violência. De forma taxativa, Madgéli disse que sim, pois “o isolamento social impôs a muitas mulheres e meninas a convivência diária intensa e até ininterrupta com seus parceiros e familiares. Nesse contexto, cenários de violência passaram a existir ou a se potencializar, agravados por situações de desemprego, angústias, depressão, incertezas, uso de bebida alcoólica ou de drogas”, destacou.

CANAIS DE ACESSO – Segundo a magistrada, durante a pandemia ocorreu uma ampliação dos canais de acesso às denúncias à Justiça, à Defensoria Pública, ao Ministério Público e aos serviços da rede, com a implantação de atendimentos virtuais. “No Poder Judiciário, por exemplo, adotou-se ainda o envio de medidas protetivas e do guia de acesso aos serviços por WhatsApp, facilitando e agilizando os atendimentos, a realização dos encontros dos grupos de acolhimento para as vítimas de forma virtual, e, do mesmo modo, têm ocorrido as reuniões do Grupos Reflexivos com os autores de violência. As audiências também têm acontecido de forma virtual”, exemplificou.

CAMPANHAS – A juíza lembrou de campanhas realizadas pelo Poder Judiciário do RS relacionadas a violência contra a mulher, tais como Quarentena sem violência (intensificou informações e divulgações), Respeita as Gurias (reúne depoimentos reais de casos de violência e busca alcançar especialmente as mulheres que não possuem acesso
a internet), Máscara Roxa (utilizando as farmácias como ponto de referência para amparo onde basta a vítima pedir uma máscara roxa ao atendente) e Sinal Vermelho contra a Violência (mulheres vítimas de violência podem ir às farmácias de todo país que aderirem à campanha, com um sinal vermelho na mão para identificar que precisam de ajuda).

OMISSÕES – Madgéli diz que ainda há muitos casos de violências subno- tificadas, sendo as causas decorrentes
do próprio tipo de violência, podendo ser medo, vergonha, dependência financeira em relação ao ofensor, falta de apoio de amigos e familiares, a esperança e as promessas de que o parceiro vai mudar, julgamentos moralizantes por parte da sociedade e em alguns casos, a ausência de serviços adequados e com atendimento humanizado para que a vítima seja acolhida, atendida e encorajada a fazer a denúncia e a pedir medidas protetivas.

Dados da Secretaria de Segurança Pública do RS relativos aos feminicídios ocorridos em 2020 demonstram que apenas 18% das vítimas tinham registro anterior contra o agressor, e somente 6% delas tinham medidas protetivas em vigor. Madgéli expôs que de 1º de janeiro de 2020 até o dia 10 de agosto de 2021, o Poder Judiciário deferiu
99.683 medidas protetivas em favor de mulheres vítimas de violência doméstica. “Esses dados demonstram claramente a necessidade e a importância de efetuar a denúncia e de pedir medidas protetivas, pois elas salvam vidas. Além disso, nos mostra que ainda precisamos descobrir caminhos para chegar até essas mulheres que morrem sem ter registrado ocorrência policial e solicitado medidas protetivas de urgência ao Poder Judiciário”, ressaltou.

A juíza ainda frisou que “o compromisso de coibir a violência contra a mulher é de toda a sociedade brasileira. Assim, cabe a todos nós, enquanto cidadãos e cidadãs, denunciar esses casos, seja através do Ligue 180 onde a denúncia pode ser anônima, ou chamar a Brigada Militar, ligando para o 190 quando a violência estiver acontecendo”.

CONFIANÇA NA PROTEÇÃO – O TP questionou se é possível confiar na proteção dos poderes em situações
de violência contra a mulher. Conforme Madgéli, não só as mulheres, mas a sociedade em geral, deve confiar no sistema de justiça e na rede de atendimento e proteção prevista na Lei Maria da Penha. “Especialmente no âmbito do RS temos dado mostras à sociedade acerca do trabalho que vem sendo desenvolvido em favor das vítimas de violência doméstica e seus dependentes, e, de outra parte, visando, não somente a punição, mas também a reeducação dos autores de violência. Muito ainda há de ser feito, pois o enfrentamento à violência doméstica é permanente. Para além da punição, exige, em especial, ações de prevenção e de educação, que devem ser desenvolvidas nas escolas, universidades, centros comunitários, meios de comunicação, redes sociais, pois somente será possível construir a igualdade e o respeito às mulheres, quando desconstruída a cultura patriarcal e o machismo, ínsitos na nossa sociedade”, explica a juíza.

Ela também falou da importância do atendimento dos sistemas de Saúde e Assistência Social. “É imprescindível que os sistemas estejam aparelhados para acolher os envolvidos em situação de violência doméstica, prestando-lhes os atendimentos necessários, tendo em vista as especificidades dos agravos de saúde decorrentes da violência, bem como as dificuldades de reorganização familiar, geração de emprego e renda”, destacou.

MENSAGEM – Para finalizar, a magistrada deixa uma mensagem as mulheres vítimas de violência e aos homens que ainda cometem qualquer tipo de ato violento. “Para as mulheres: acreditem no sistema de justiça e na Lei Maria da Penha, denunciem as violências sofridas, peçam medidas protetivas, e assim, nós teremos condições de salvar as
suas vidas! Para os homens, sempre há tempo para ser e agir diferente. Começa agora! Com respeito, diálogo, harmonia, é possível encontrar a paz”.

 

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