Justiça Eleitoral: competências típicas e atípicas

A coluna de hoje voltará a falar acerca da Justiça Eleitoral brasileira. E isso se deve ao fato de termos recebido alguns questionamentos sobre a função da instituição, além de algumas críticas relativas à sua expansão. Procuramos, evidentemente, esclarecer aos semelhantes que nos procuraram com essas preocupações. E fomos muito bem recebidos em nossos intentos. De toda e qualquer forma, uma questão, parece-nos, despontou como a mais controversa. Logo, é por essa razão que escreveremos hoje acerca das competências da Justiça Eleitoral, que chamaremos de competências típicas e atípicas. Sigamos, então, sem maiores delongas.
A Justiça Eleitoral, em linhas gerais, tem por função constitucional organizar, gerir e fiscalizar o processo eleitoral, e tal função, vale dizer, é tão importante quanto ter em mente que não há democracia sem eleições. Noutras palavras, tão relevante quanto termos eleições livres e periódicas, é que tais escrutínios transcorram com a normalidade, a lisura e a legitimidade que se requer de um pleito eleitoral realmente democrático, de modo a compatibilizar, verdadeiramente, a manifestação popular desencadeada neste processo com o resultado colhido nas urnas.
Embora seja consagrado constitucionalmente como um órgão do Poder Judiciário,a Justiça Eleitoral compreende algumas outras funções ou competências, que aqui, tal como indicado acima, chamaremos de competências atípicas. Assim, nos termos da Constituição, do Código Eleitoral e da Lei das Eleições, além da competência jurisdicional inerente a um órgão do Poder Judiciário, são competências da JE a competência administrativa (administração das eleições), a competência consultiva e, ainda, a competência regulamentar ou normativa.
Quanto à competência jurisdicional, a JE atuará na solução de conflitos sempre que provocada judicialmente por algum legitimado ativo (candidatos, partidos políticos, coligações, MPE). Isso acontecerá p. ex. em situações tais como ajuizamento de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC) e representações por propaganda eleitoral irregular, condutas vedadas, arrecadação ou gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais ou captação ilícita de sufrágio.
Já a competência administrativa dá conta da administração dos processos eleitorais, algo que remonta à Revolução de 1930 e à tentativa de conter as fraudes existentes nas eleições ocorridas periodicamente no curso da República Velha. Trata-se, em suma, de uma competência que faz afastar a gestão das eleições das mãos dos atores que delas participam.
A competência consultiva, por sua vez, caracteriza a prerrogativa que a Justiça Eleitoral possui no sentido de responder consultas formuladas por autoridades de jurisdição federal ou órgãos nacionais de partidos políticos, no caso do TSE, e estaduais, no caso dos Regionais Eleitorais. As consultas, vale frisar, devem ser formuladas em tese, isto é, à luz de situações abstratas e impessoais e sob assunto de relevância geral, não sobre casos concretos.
Por fim, a competência regulamentar, que é a mais controversa, dá conta do poder da Justiça Eleitoral de expedir instruções para o fiel cumprimento das eleições, ouvidos previamente, em audiências públicas, os dirigentes e representantes das agremiações político-partidárias.Tais instruções, que não podem – ou não poderiam – substituir-se à lei, são publicadas mediante Resoluções, cumprindo, dessa maneira, a função ou competência normativa ou regulamentadora da Justiça Eleitoral.
Denota-se aí, portanto, o caráter heterodoxo envolto às prerrogativas da Justiça Eleitoral, órgão especializado do Poder Judiciário que possui ampla atuação prevista a partir da Constituição e da legislação infraconstitucional. Tais competências “estranhas” a um órgão do Judiciário não são livres de críticas, no entanto, valendo mencionar, a título exemplificativo, as acusações realizadas em detrimento da chamada “competência regulamentar”, não sendo raras as denúncias de inconstitucionalidade, justamente porque se estaria a legislar, o que afrontaria o princípio da legalidade, assim como o princípio da separação de poderes. E dessas críticas, aliás, vez ou outra, no exercício da advocacia ou mesmo nos bancos acadêmicos, compartilhamos.

* Originalmente este conteúdo foi publicado no jornal impresso

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