COVID-19

Médicos da UFPel alertam para uso de medicações “milagrosas” contra o coronavírus

Desde o início da pandemia causada pelo novo corona­vírus, diversas substâncias ativas já foram apontadas como tratamentos milagrosos contra a doença causada pela sua infecção, a Covid-19. No entanto, médicos ligados à Universidade Federal de Pelotas (UFPel) apontam que ainda não há evidências científi­cas suficientes para determinar tratamentos ou profilaxias efica­zes contra o vírus e a doença que ele desencadeia.

O aumento de casos da doença, em especial aquele visto na Itália, motivou uma corrida dos cientistas para encontrar um tratamento viável para os pacien­tes, conforme relata o médico de Família e Comunidade e profes­sor da Faculdade de Medicina da UFPel, Rogério Linhares. Devido ao estado de exceção e por razões humanitárias, foi permitida a tes­tagem de medicações diretamente em pacientes, sem as etapas ante­riores de experimentação. Outras delas somente continham a etapa in vitro, sem aplicação em orga­nismos vivos.

Por isso, nos primeiros meses, diversos estudos foram publicados, inclusive em revis­tas de excelência, sem critérios comumente usados, como a re­visão por pares, em uma ânsia de encontrar um tratamento possível para uma problemática sanitária de escala global. Linhares explica que são dessa época as publi­cações sobre substâncias que poderiam ter grande efetividade no tratamento da Covid-19. Mas havia algo em comum entre elas: elas não haviam sido testadas em seres vivos. “No ambiente in vitro muita coisa pode funcionar; mas e em um organismo?”, questiona o docente.

É justamente desse perío­do que se reportam pesquisas de alguns dos princípios ativos apon­tados como “milagrosos” contra o coronavírus, como a hidroxiclo­roquina. O médico infectologista Paulo Orlando Monteiro, servidor da Faculdade de Medicina, explica que a eficácia da substância exem­plificada foi vista quando adminis­trada somente em laboratório e em doses altíssimas. O mesmo pode ser dito, segundo o profissional da saúde, da ivermectina.

O médico intensivista do Hospital Escola da UFPel Edgar Fiss, que integra a equipe da área dedicada a pacientes internados pela Covid-19, esclarece que a hidroxicloroquina até foi utili­zada na casa de saúde no início da pandemia na região, mas que logo em seguida já caiu em de­suso, seguindo as recomendações encontradas na literatura médica. A mesma atitude foi tomada por grandes hospitais, que incluíam a medicação em seus protocolos, mas que também os retificaram.

Essa retirada se deu pelo fato de que, com alguns meses da existência da epidemia, já foi pos­sível a publicação de estudos com maior qualidade, incluindo grupos de controle, por exemplo, que não apontaram eficácia demonstrada nos ensaios iniciais. Por isso, os profissionais consultados são ta­xativos ao afirmar: ainda não há medicação segura para prevenir ou tratar a Covid-19. “Se existisse alguma comprovação, o mundo inteiro já estaria usando”, pondera Linhares.

Não fazer mal ou fazer bem?

Os três profissionais con­sultados afirmam ter visto alguns de seus colegas médicos receitan­do e até mesmo administrando em si próprios algumas dessas medicações. Um dos casos citados é o de um coletivo de médicos que publicou uma recomendação de uso de um coquetel de substâncias para uso precoce em pacientes contaminados pelo coronavírus.

“Talvez prescrevam por pensarem que mal não faz”, afirma Fiss. No entanto, Linhares aponta que, dentre os princípios da bio­ética, além da não maleficência – não fazer mal -, é preciso também pensar na beneficência – fazer bem. “Uma coisa é um indivíduo saudável usar. Mas se há alguma condição, pode trazer uma reação indesejada”, explica.

O infectologista Monteiro lembra que a hidroxicloroquina e a ivermectina são seguros, mas quando usados para os seus fins es­pecíficos, como a malária, no caso do primeiro, e a escabiose, no caso do segundo. “Em Medicina, não trabalhamos com ‘será’; o que não se sabe não se faz”. Por isso, desta­ca ele, sociedades médicas como as de Terapia Intensiva, Infectologia e Pneumologia estão publicando notas afirmando que o protocolo é não utilizar tais terapias.

Atualmente, o procedimen­to adotado é o de manutenção e acompanhamento: os pacientes internados são monitorados e recebem oxigênio por cateter ou respiradores quando necessário. No caso destes dois cenários, pode ser administrada a dexametasona, corticoide que já se provou útil – em estudos com grupos bem delineados, conforme destaca o intensivista Fiss- em doentes que apresentem tais necessidades, re­duzindo óbitos nos internados em UTI e reduzindo a necessidade de respiradores mecânicos nos que recebem oxigênio.

Os médicos também aler­tam para o perigo da autome­dicação. “Há um grande risco nessa atitude”, diz Linhares. A mesma ponderação é comparti­lhada por Monteiro. “Alguns dos medicamentos podem se mostrar perigosos e, em combinações er­radas, podem potencializar efeitos adversos”. Fiss também lembra que o uso dessas substâncias como profiláticos pode levar a um des­cuido nos hábitos que seguramente combatem a infecção, como a hi­gienização das mãos e superfícies, o distanciamento social e o uso de máscaras.

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