Mentira e eleições: velha união com nova roupagem

Eleição se aproximando. Composições políticas se concretizando. Candidatos despontando como favoritos em pesquisas das mais diversas. Registro de candidatura no horizonte. E início efetivo da campanha, que se dará a partir de 15 de agosto, também. Perguntas das mais diversas pipocam pelos diversos meios de comunicação a nosso dispor. Consultas, entrevistas, debates e afins. O que irá acontecer em outubro do corrente ano? Não tenho a menor ideia. Uma coisa é certa, todavia: o tema das fake news ou da desinformação tomará conta do pleito de 2022. Eis que a coluna de hoje, com fins de abordagem meramente história e, até mesmo, caricata, abordará alguns dos mais icônicos casos nos quais a mentira e a política eleitoral andaram de mãos dadas no curso da cena pública, inclusive brasileira.
Mentira, política institucional e eleições nos acompanham ao longo da história. Não se trata, dito de outra forma, de um fenômeno da atualidade, novo ou revolucionário. Procópio, no século IV, com o seu inverídico “Anekdota”, fez arruinar a reputação do imperador Justiniano. Arentino, por sua vez, no século XVI, arruinou a imagem de vários candidatos ao papado por meio das suas “pasquinadas”. Os “homem-parágrafo”, na Londres do século XVIII, vendiam fofocas com conteúdos difamatórios aos editores ou impressores dos tabloides britânicos. E essa “tática” atuava também em Paris, às vésperas da Revolução, sendo que o alvo principal dela era Maria Antonieta. Já na aurora da República norte-americana, as contendas ocorridas entre John Adam se Thomas Jefferson são dignas de nota, onde panfletos com ofensas e inverdades circulavam país afora, acirrando os ânimos da população.
A verdade é que casos notáveis de manipulação e propagação de desinformação sempre foram evidenciados no espaço público e, diga-se, em eleições, muito antes da internet. Nas eleições norte-americanas mesmo, traçando-se um pulo aqui na régua do tempo, a campanha de Nixon, em 1972, serve muito bem para comprovar essa realidade. Naquela ocasião, uma carta com conteúdo falso foi publicada no editorial do Manchester Union Leader às vésperas das eleições, o que teve grande impacto. E no Brasil? Não há como datar a mentira inicial na política brasileira, mas a Proclamação da República, em 1889, parecer ter sido o estopim. Na política-eleitoral, a seu turno, 1921 parece um bom ano para começar.
Era um momento de instabilidade entre as elites que controlavam o país. A disputa pelo poder central já rachava o Brasil em função das eleições no ano seguinte. De um lado, estavam os mineiros e os paulistas, que apoiavam a indicação de Artur Bernardes para a Presidência da República. De outro, alinhavam-se os gaúchos, os cariocas, os baianos e os pernambucanos, que queriam ver Nilo Peçanha no comando do Brasil. No acurso da campanha duas cartas foram publicadas no jornal Correio da Manhã, ambas atribuídas a Bernardes. A primeira continha ofensas a Hermes da Fonseca, a quem chamava de “sargentão” de “completa nulidade mental”. A segunda cotinha ofensas a Nilo Peçanha, seu adversário, a quem chamava de “moleque capaz de tudo”. Bernardes venceu a eleição, mas enfraquecido, nunca tendo conseguido governar de modo pacífico. As cartas não haviam sido escritas por ele, contudo. Eram falsas. E essa moda pegou.
Tanto que em 1937outra farsa surgiria em forma de documento, que ficou conhecido como “O Plano Cohen”. Tratava-se de um documento falso que sugeria a marcha de um plano comunista para derrubar o governo e tomar o poder no país, aos moldes da “Intentona Comunista”. O “plano”, que era fraudulento, foi o mote para o Golpe do Estado Novo. A farsa, criada por Olímpio Mourão Filho, um militar de feição integralista, só seria desmascarada em 1945, pela fala de Goes Monteiro, ex-Ministro da Guerra. E outros fatos subsequentes há, no mais, como as tentativas de impedimento da posse do Presidente JK com lastro em fatos fantasiosos criados por uma oposição de agir golpista. Isso para ficar apenas aqui.
A mentira, a desinformação, a distorção de fatos ou informações é, como visto, realidade permanente no jogo da política e das eleições. Realmente não é, portanto, algo novo, muito menos na história política brasileira, que envolveu falsidades das mais diversas e diversificadas, do forjar de um golpe de Estado em marcha para legitimar um golpe de Estado, ao propagar de “mentirinhas”, como questões envolvendo a alta do PIB a partir da distorção de dados oficiais. E o que mudou? Como já escrevi aqui, o que mudou foi a forma e a velocidade de disseminação da desinformação, da mentira ou da fraude.

* Originalmente este conteúdo foi publicado no jornal impresso

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