O Mundo fora de prumo

William Shakespeare, conhecido e reconhecido como o maior dramaturgo de todos os tempos, nasceu em Stratford-upor-Avon, Inglaterra, no ano de 1564. Em 1590 Shakespeare escreveria a sua primeira peça, Henrique IV. As suas obras, daí em diante, ficariam marcadas na história. O bardo faleceria em 1616. Seu nome, todavia, jamais seria esquecido. E o gênio de Shakespeare, tal como o fantasma do pai de Hamlet, nos assombra e nos fascina. Sua genialidade vem de nos permitir falar sobre nós mesmos, sobre o modo como vivemos nossas vidas e experimentamos nosso tempo.
Shakespeare é grande exatamente porque, em muitos dos seus textos, se assemelha a qualquer um de nós, com angústias e alegrias inerentes à condição de ser humano. Ninguém precisa ser especialista em literatura para comover-se com a morte trágica de Romeu e Julieta, indignar-se com a malícia de Iago, lamentar a decrepitude de Lear ou, ainda, para questionar acerca do que Macbeth representaria – herói ou vilão? E o que mais espanta o aprendiz que vos escreve é a atualidade da obra do bardo, além de quão ricas podem ser algumas lições extraídas dos seus textos, seja quanto ao Direito, seja quanto à Política, inclusive. Pois bem.
Em “O Mundo fora de prumo: transformação social e teoria política em Shakespeare” (editora Almedina, 2011), José Garcez Ghirardi procurou apontar aproximações entre as sociedades do início e do fim da Era Moderna e apresentar leituras das peças de Shakespeare que ajudassem a refletir melhor sobre a nossa experiência presente. Para o professor Garcez tanto elisabetanos como “pós-modernos” experimenta(ra)m a falência do arcabouço simbólico a partir do qual tenta(ra)m entender as suas vidas. Nossas crenças, instituições e práticas, segundo o autor, estão em conflito umas com as outras e o modo como esse conflito põe em crise noções tão centrais como as de autoridade, soberania e sujeito necessita ser compreendido. Qual é o sentido da existência individual? Como ela se relaciona com os nossos semelhantes, com as nossas crenças, nossos valores e com uma artificialidade chamada de Estado? Perguntas, perguntas, perguntas… de ontem e de hoje. E a falsa banalidade de nossas práticas diárias – os livros de auto-ajuda, os antidepressivos e os “coaching”, estes que, no âmbito do Direito, mais parecem apresentadores de programas de auditório ao estilo “quiz show”, inclusive – é testemunha robusta de que essa é uma questão que incomoda a muitos de nossos contemporâneos. E a mim, aliás.
Se a vida parece algo sem sentido, devemos lembrar-nos de Hamlet, embora outros revelem também a mesma angústia, como Macbeth e Lear. Se quisermos falar acerca da importância da legitimidade no exercício do poder, assunto que revela uma fina intersecção entre Direito e Política, por que não falarmos acerca do mesmo Macbeth, um usurpador, ou, novamente, de Hamlet, o filho que almejou vingar o regicídio cometido contra seu pai e, com isso, restabelecer a ordem no Reino da Dinamarca, ou, ainda, de Ricardo II, o monarca inepto e tirano derrubado por seu primo? E quanto aos afetos individuais, quanto ao mais belo dos mais belos sentimentos humanos, o amor? Ora, boa parte das peças de Shakespeare, sobretudo as comédias, se estrutura também a partir das tensões humanas daí decorrentes. Quando a virgindade da inocente Hero é posta em dúvida por John, é a esperteza dos não convencionais Beatrice e Benedick que salva a pátria – a prova apresentada contra Hero era falsa, forjada. Em “Sonhos de uma noite de verão” umas das mais belas frases é registrada para a posteridade, isto é: “O verdadeiro amor jamais teve curso tranqüilo”. E em Romeu e Julieta, temos uma frase perfeitamente aplicável aos nossos tempos, de igual forma: “muito de ódio…”. Por sua vez, em Julio César lições valiosas, de vida e de política, são apresentadas, sendo que a principal é: “quem vive pela espada, morre pela espada”. E o que dizer, no mais, da disputa discursiva travada entre Brutus e Marco Antônio? Dois grandes “advogados” na defesa dos interesses da comunidade (será?). Enfim.
Direito, Política, realização pessoal, amor, interesses públicos e privados, sentido da vida, individual e coletivamente. Tudo isso faz parte dos textos do grande Shakespeare. A sua atualidade é espantosa. E a obra do professor Ghirardi é um grande farol para que possamos compreender um pouco dos nossos tempos, sobretudo com olhares para o futuro próximo, inclusive acerca da saúde da nossa democracia moderna e dos riscos que ela corre e do papel do Direito para conter os ímpetos, por vezes vis, que despontam da política institucional.

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