CONQUISTA REGIONAL

Radioterapia em Bagé: uma conquista de mais de 13 mil cidadãos

Paciente fala do desgaste em viajar mais de 200 km para realizar o procedimento

Por Anderson Ribeiro

Obra já teve início e está localizada próximo a Santa Casa de Caridade Foto: Divulgação TP

Desde que foi inaugurada a Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon), em dezembro de 2010, em Bagé, uma expectativa passou a girar em torno da disponibilização do serviço de radioterapia. A articulação iniciou ainda em 1999 e em 2012, ganhou força quando um termo de adesão ao Plano de Expansão da Radioterapia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) foi formalizado. Em agosto de 2019 a tão esperada notícia chegou. O Ministério da Saúde confirmou a realização da licitação para construção de um prédio, totalmente novo, para receber o serviço. O investimento previsto atinge a marca de R$ 10,6 milhões.
Essa demanda vem de muitos anos e deve beneficiar os usuários. Pessoas que já sofrem por ter que tratar uma doença séria, ainda enfrentam muitos quilômetros para fazer o tratamento. Bagé é a cidade referência para região e, assim que o serviço estiver apto para funcionar em Bagé, moradores da Rainha da Fronteira e região da Campanha terão um local próximo para passarem pelo tratamento.
“Depois de uma intensa luta que envolveu vários setores da sociedade durante anos, podemos dizer que Bagé finalmente terá um tratamento completo para o câncer, incluindo a radioterapia. Assim que a estrutura estiver pronta, os bageenses e pacientes da região não precisarão se deslocar a Pelotas ou Porto Alegre justamente em um dos momentos mais fragilizados da vida, que é um tratamento de saúde. Fico muito feliz por ter tido a oportunidade de finalizar as tratativas que culminaram nesta que é uma das maiores conquistas para Bagé”, salientou o prefeito Divaldo Lara.

A quimioterapia já foi uma luta

O radialista Edgar Muza é uma dessas pessoas que há muitos anos luta pela radioterapia em Bagé. “Eu tenho experiência negativa. Meu pai, na década de 60, morreu de câncer e, na época, tinha que ir em Pelotas fazer quimioterapia. Ia de ônibus na estrada que ainda não tinha asfalto. Eu via o que ele passava e isso marcou minha vida. Já fazia dois anos que tinha entrado no rádio. A gente via as ‘gritarias’ das pessoas, principalmente sobre mau atendimento. Na época era proibido até falar que tinha câncer. Era um terror. Diziam que a pessoa morreu de uma doença ruim”, comentou.
Passou o tempo, chegamos ao ano de 1987, quando Muza e outros carnavalescos fundaram a Associação Bageense de Entidades Carnavalescas (Abec) e na entidade tinham uma das três Marias (mulheres) que eram torcedoras do Grêmio Esportivo Bagé. Uma delas, que fazia parte da diretoria da Abec, foi acometida de câncer e foi fazer quimioterapia em Pelotas. “Foi outra tristeza que passei. Eu já tinha mais experiência em rádio. Então pensei: isso é uma barbaridade. Ela viajava de manhã, ficava esperando sentada na calçada por duas ou três horas, não davam nenhum cafezinho. Voltava, muitas vezes com intercorrência. Daí começamos a fazer uma campanha de rádio para conseguirmos um hotel para a Maria, com alimentação, para ela ir e ficar lá fazendo o tratamento por uns dias”, explicou.
Tempos depois a Maria morreu e Muza pensou: “Em nome da Maria, vamos ter que dar um jeito de organizar uma equipe e batalhar pelo tratamento do câncer em Bagé”. Em 1998, começou a batalha quando aconteceu a primeira Consulta Popular. “Partimos para a guerra. Negociamos com todos e é correto dizer que foi a região que conseguiu colocar 13 mil votos de média em cada Consulta Popular e ali conseguimos o recurso de R$ 540 mil reais que foi liberado cerca de 4 ou 5 anos depois, para fazer a obra do prédio. Aí começou tudo, com apoio de toda a região”, salientou Muza.
“A radioterapia foi outra peleia. Reunimos provas, ajeitamos documentos. Provamos que a quimioterapia em Bagé atendia toda a região. E em parceria com as outras cidades foi alcançada a votação e veio vários recursos para Bagé, inclusive para a quimioterapia. Bagé se tornou um polo regional de saúde. Todas as cidades lutaram. Há alguns anos, a pedido da provedoria da Santa Casa, fui representando a instituição para o Rio de Janeiro, junto ao doutor Dionísio”, completou.

A batalha da radioterapia: “chegamos reserva e saímos titulares”

No Rio de Janeiro, foi outra peleia com a representante do Ministério da Saúde. “Ela dizia que Bagé não tinha condições, não tinha público. Eu disse a ela que gostaria que não tivesse mesmo. Mas estamos ultrapassando, toda a região tem mais de 300 mil pessoas que são atendidas em Bagé. Aí ela disse que não tinha esses dados. O doutor Dionísio levou muita documentação e saímos de lá titulares. Havia um projeto na União de 80 centros de oncologia no Brasil, desses nós também fomos contemplados com um”, garantiu.
“Não existe um pai da criança. É o único filho que tem mais de 13 mil cidadãos que são os pais. São os eleitores que foram votar na Consulta Popular. Estes são os verdadeiros pais da criança. Eu apenas dei meu voto, não sou o pai de nada. Apenas tive a felicidade de ter um microfone na mão e trabalhar para o bem. Vai ser construído a radioterapia”, salientou.
Sobre a importância da radioterapia em Bagé, Muza relatou que vai parafrasear o médico Mário Mena. “A saúde em Bagé vai ser uma antes e outra depois do serviço de radioterapia e quimioterapia”. O radialista e carnavalesco destacou que com esse serviço vão acabar as viagens longas que desgasta as pessoas”.

O apoio de Candiota e a próxima luta

O pessoal de Candiota apoiou bastante para que a radioterapia acontecesse. Outra luta e deve ser a próxima é o retorno do Banco de Sangue para Bagé. Muza conta que a população candiotense que sempre apoia sabe que há alguns anos foi alocado uma Consulta Popular. Eram 700 mil reais para a construção do prédio para o Banco de Sangue. Seria ao lado do Centro Médico. Pediram para trocar. Eu sou da opinião que nem o governo do Estado, nem a União, nem a Justiça pode se meter em uma votação popular alocando recurso. Então, o governo do Estado disse que só pode a prefeitura ou o maior hospital da região, nem a prefeitura, nem a Santa Casa de Bagé quis. Tem tudo documentado e assinado. O resultado é que perdemos para Pelotas (Hemopel). Nós vamos lutar. Se eu tiver resistência física, vamos recuperar o dinheiro que a população votou e trazermos um hemocentro para Bagé. Dizem muitas coisas, mas na época ninguém se interessou, nem prefeitura nem vereadores. Atualmente, câmara e prefeitura enquanto instituições, dizem que querem. Isso é ótimo. Se incluam e vamos buscar esse hemocentro”, encerrou Edgar Muza.
Cabe salientar que tanto a radioterapia quanto o Banco de Sangue, em Bagé, beneficiará todas as cidades da região. Então, que autoridades e representações de todas essas cidades se unam e se incluam na luta. Como o próprio Muza encerrou a entrevista dizendo: “GUERRA É GUERRA”. Que não fujamos dessa guerra que irá salvar muitas vidas.
O secretário de saúde de Candiota, Juliano Corrêa, destacou a importância da radioterapia na cidade de Bagé. “Para o nosso município vai ser um avanço muito grande, pois hoje em dia, os pacientes são levados à Pelotas para fazer as sessões diárias de radioterapia. Assim que estiver pronto em Bagé vai diminuir muito o trajeto a ser percorrido, desta forma melhorando a recuperação do paciente que já está debilitado”, salientou.

O que significa para uma paciente

Alguns efeitos indesejáveis são frequentes, independentemente da área do tumor. Entre eles estão cansaço, reações de pele, perda de apetite e dor ao engolir. Geralmente, aparecem ao final da segunda semana de aplicação e desaparecem poucas semanas depois de terminado o tratamento.
Para a dona de casa, Marlene Muller Beck, de 70 anos, a viagem para o tratamento oncológico que mora distante 200km da cidade referência é muito desgastante. “Apesar de todo o apoio oferecido pelo poder público, com veículos de qualidade e profissionais competentes, o paciente necessita levantar muito cedo, fazer um trecho de viagem que por força da comorbidade se torna desgastante. Após o procedimento o desgaste físico e mental se torna grande. Acredito que por essa e outras questões a radioterapia na cidade de Bagé será de fundamental importância para todos e um grande avanço na área da saúde regional”, relatou.

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