A conexão entre desinformação e Direito

A conexão entre política, as eleições e a tecnologia tende a avançar cada vez mais, exigindo de todos os atores não apenas o preparo para lidar com novos desafios, mas também a capacidade de autotransformação para fazer frente às mudanças e inovações tecnológicas, tanto diante de seus melhores efeitos quanto diante de eventuais efeitos colaterais.

Hoje podemos conversar com qualquer pessoa em qualquer lugar do Mundo, podemos conhecê-la, vê-la, ouvi-la sem sair de casa. E, se quiser sair de casa, é possível solicitar, pelo smartphone, um táxi ou até um carro particular dirigido por alguém que você nunca viu, que o levará até o local solicitado, sendo guiado por um GPS inteligente capaz de calcular o trânsito, buscar rotas alternativas e informar um acidente na via, mesmo que a colisão tenha ocorrido há apenas alguns minutos.

As palavras que apresento acima não são minhas. Mas, sim, do Professor Diogo Rais, consignadas, pois, em seu “Fake News: a conexão entre a desinformação e o Direito”, publicado, já em segunda edição, pela editora Revista dos Tribunais.

Diogo, além de um amigo muito querido, é advogado, sócio na Consultoria Jurídica Diogo Rais, Cofundador e Diretor Geral do Instituto Liberdade Digital, Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, Colunista exclusivo na área eleitoral para o jornal Valor Econômico durante as eleições 2016 e 2020 e da Folha de São Paulo para as eleições de 2018, Professor de Direito Eleitoral da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da FGVLaw e Membro-fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), da qual também sou.

O livro em questão, além de lidar com tema penoso e atual, conta com vários textos de autores diversos, bem como com o prefácio, em primeira edição, do Professor Ricardo Campos (Universidade de Frankfurt), e com o prefácio, em segunda edição, da Ministra Rosa Weber (STF). O prefácio escrito por Ricardo é rico em conteúdo. Segundo ele, “pode-se dizer que mentira sempre existiu, pode-se dizer também que, em campanhas eleitorais, a mentira é componente recorrente. Entretanto, os âmbitos da vida da sociedade foram alterados e, assim, a dimensão da mentira e o possível dano causado tanto às instituições quanto aos indivíduos e pessoas públicas ganham outras proporções”. Ele lembra também do escândalo da Cambridge Analytica, notadamente quanto ao uso clandestino de algoritmos para influenciar o convencimento do eleitorado no Reino Unido e nos Estados Unidos. Para Campos, então, urge, dentro do Direito, “abrir novas portas e pensar, como já dizia o renomado jurista alemão Rudolph Wietholter, não mais dentro de paradigmas estanques, mas na conexão ou nas bordas desses paradigmas com outros. […]Como estabelecer possibilidades de regulações de regulação que sejam compatíveis com a tradição das democracias liberais da liberdade de expressão?”. Eis a grande questão.

Já em seu prefácio à segunda edição da obra, a Ministra Rosa Weber, leitora voraz de poesia, traz reflexões valiosíssimas. E ela inicia com beleza profunda, a saber: “A respiração se interrompe, ainda que por apenas um segundo, e, quando retoma, seu ritmo está um pouco mais acelerado. O coração continua batendo, mas agora um pouco mais rápido, aumentando o calor do corpo e a transpiração. E assim, normalmente, nosso corpo reage quando mentimos”. A mentira, segue ela, “parece partir de um mecanismo de sobrevivência, ao menos no mundo animal. Tomemos como exemplo o camaleão, que se disfarça mudando a cor do seu próprio corpo, misturando-se ao ambiente para ficar invisível e, assim, escapar de seu predador, ou conquistar a sua presa”. A mentira, para o bem ou para o mal, é onipresente. Está em todo lugar. E a pergunta da Ministra é: “será que cabe ao Direito regular e punir a mentira”? Buscar as respostas é um grande desafio, definitivamente.

Eis, então, o mérito da obra coordenada por Diogo. Composta por vários textos de diversos autores (as), ela visa construir possibilidades para lidar com o problema da desinformação, não apenas sob a ótica jurídica em sentido estrito, mas a partir de uma pluralidade de enfoques, desde o jornalismo, passando pela computação, pela ciência política e pelo Direito em suas diversas variantes – direitos fundamentais, direito eleitoral, direito digital, direito civil, direito administrativo, direito constitucional, direito do consumidor e direito da infância e juventude. A obra é excelente, ficando aqui o registro.

Dito isso, volto, na semana que vem, com Ulisses e as suas amarras….

ORIGINALMENTE ESTE CONTEÚDO FOI PUBLICADO NO JORNAL IMPRESSO*

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