REPORTAGEM ESPECIAL
Por: Gislene Farion
Mais de R$ 186 milhões. Esse é o valor que a Prefeitura de Pinheiro Machado terá que desembolsar ao longo dos próximos 80 anos com o Fundo de Aposentadoria e Pensão do Servidor (FAPS). O dado foi obtido junto ao setor responsável da Caixa Econômica Federal (CEF), contratada para realizar uma avaliação atuarial levando em consideração a realidade do funcionalismo público até 2017. O documento foi entregue há cerca de 30 dias.
O resultado da análise, bem como um plano de ação alternativo para minimizar essa conta, já foi apresentado ao Executivo, ao Legislativo e ao Ministério Público local pelo próprio Conselho do Fundo. De acordo com o prefeito Zé Antônio (PDT), desde que assumiu a Prefeitura a situação do FAPS já chamava a atenção e preocupava. “Naquela época, os cálculos já indicavam a gravidade do problema que teríamos pela frente. Além disso, nos dois primeiros anos de gestão foi um período onde muita gente se aposentou e é fato que, neste e no próximo ano, ainda têm muitas pessoas que deixarão de contribuir e passarão a receber do Fundo. Isso, consequentemente, vai aumentar o valor depositado pela Prefeitura”, alertou.
Para o TP, ciente da dificuldade, o prefeito disse que não há possibilidade de ficar inerte diante do agravante. “Sabemos de toda a dificuldade e estamos em busca de uma saída para minimizar os impactos dessa realidade que reflete na vida de toda a população. Por utilizarmos a arrecadação própria para cobrir o caixa do FAPS não estamos conseguindo manter os salários em dia, pagar o vale-alimentação e também não podemos prestar melhores serviços, como a manutenção mais efetiva das estradas”.
De modo a tornar público o tema e o conteúdo apresentado na análise, o presidente do Conselho, Giovane Sampaio, recebeu a reportagem do Tribuna do Pampa para detalhar a atual realidade do Fundo. Com conhecimento de causa, ele explicou os motivos para a situação ter tomado essa proporção e como a atual gestão do FAPS vem trabalhando para tentar amenizar o caos. Em junho, Giovane também passa a responder pela Secretaria de Administração.
FAPS – Criado em 1998, ainda na gestão do então prefeito Carlos Ernesto Betiollo (PSDB), o Fundo de Aposentadoria e Pensão do Servidor (FAPS) surgiu em cumprimento da Legislação Federal que obrigou os municípios a instituírem seus regimes próprios ou optarem por permanecer vinculados ao Regime Geral – o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
CONSELHO – De acordo com a lei vigente, o Conselho do Fundo de Aposentadoria e Pensão do Servidor (FAPS) conta com oito membros divididos em dois segmentos (ver ao lado). Uma parcela é indicada pelo próprio gestor do município e outra pelo Sindicato dos Municipários de Pinheiro Machado (SiMPiM).
A atual gestão, presidida por Giovane Sampaio, tomou posse em julho de 2018 e, segundo relato, tem buscado alternativas para amenizar a crise financeira do município – que está diretamente ligada ao funcionamento do Fundo. Conforme lembrou, o Conselho não tem poder de tomar decisões. “Trabalhamos com o intuito de fornecer subsídios necessários para orientar o Executivo no que diz respeito ao FAPS. Somente o prefeito está apto a tomar qualquer tipo de decisão ou efetuar medidas em relação ao tema”, disse Giovane.
ATUAIS MEMBROS DO CONSELHO
ADMINISTRATIVO
Eliana da Rosa
Fabiane Mena
Jonesglei Rosa
Jussiê Garcia
Lucimar Antunes
FISCAL
Ana Lúcia Quiroga
Giovane Sampaio
Vanderni de Ávila
CONTRIBUIÇÃO PATRONAL – Para o TP, Giovane apontou inconsistências desde o período de implantação do Fundo. “Não foi respeitado um período de carência para os servidores passarem a receber aposentadorias e pensões por meio do FAPS. Em seguida do seu surgimento, funcionários que receberiam do INSS já passaram a receber instantaneamente sem contribuir para o novo regime”, detalhou. Segundo informações, naquela época já constavam 62 aposentados recebendo quantias dos cofres do FAPS com menos de um ano de contribuição.
Conforme detalhou o presidente do Conselho, o município é responsável por uma porcentagem dos valores destinados ao caixa do Fundo – a chamada contribuição patronal. Apesar disso, desde que se têm notícias, segundo Giovane, a transferência de valores do caixa da Prefeitura para o Fundo não era feita regularmente até o início da gestão do prefeito José Felipe da Feira (PTB), em 2013. “Na teoria, a fonte de receita do FAPS é a contribuição dos funcionários ativos (que descontam 11% sobre o valor da remuneração) e dos inativos e pensionistas (11% do que excede o teto do INSS). Com base nesses valores, o município tem que fazer o repasse de 22% da folha de salários para o Fundo, visando a formação de caixa para pagar os beneficiários”, explicou.
DÍVIDA – Dados da penúltima avaliação atuarial, ainda de 2013, indicam que o FAPS possuía um saldo de cerca de R$ 4 milhões em caixa referente às contribuições. De lá para cá, o montante continuou sendo utilizado para pagamento dos beneficiários. “O que muita gente imagina é que foi retirado dinheiro desse Fundo, mas o que aconteceu é que ele foi terminando. Mês a mês era feito o pagamento dos salários daqueles beneficiários e não eram repostos os valores, uma hora ele ia chegar ao fim, logicamente”, disse.
Sendo assim, em 2012, na primeira gestão do atual prefeito Zé Antônio (PDT), foi realizado o cálculo atuarial, o qual foi entregue no fim do ano e, nos primeiros dias de 2013, já no governo do prefeito Felipe, serviu de base para uma lei de parcelamento da dívida do município com o Fundo. Conforme lembrou Giovane, o documento estipulava um prazo de 20 anos para serem quitados todos os débitos.
“Naquela época a folha de pagamento de aposentados e pensionistas já superava o que o Fundo arrecadava como receita, ou seja, já tinha que pagar salários mais do que se arrecadava. Então o município adiantou as parcelas para poder fazer o repasse de valores ao Fundo e, consequentemente, não deixar de pagar os aposentados e pensionistas”, destacou.
Em função desse adiantamento, em dezembro de 2017, a dívida do município com o FAPS foi quitada. “A partir daquele momento a ideia era que o Fundo deveria caminhar com as próprias pernas. Porém, nessa mesma data, os nossos registros dizem que o saldo bancário – o patrimônio em ativos do FAPS – era de mais ou menos R$ 7 mil, e uma folha mensal de cerca de R$ 700 mil para pagar aos beneficiários”. Desde então, a Prefeitura precisou retirar valores do recurso livre todos os meses para cobrir essa despesa, encerrando 2017 com um total de quase R$ 6 milhões repassados ao Fundo. Hoje, estão sendo depositados em média R$ 550 mil todo mês, direto para o caixa do FAPS, com a possibilidade de se encerrar 2019 com um total de R$ 7 milhões, segundo informações atualizadas.
Questionado sobre a medida de adiantamento do pagamento da dívida não ter sido tomada de forma inconsequente, Giovane disse que, pelo contrário – ela foi pensada justamente para não acumular quantias que, uma hora ou outra, caberia ao município pagar, além de garantir a entrada de recursos suficientes para priorizar o pagamento mensal dos salários dos inativos. “Essa cifra que sai do recurso livre do município é o que faz falta para colocar em dia o pagamento dos salários, recuperar o atraso no pagamento do vale-alimentação dos funcionários e impede que seja investido esse montante em outras áreas que sabidamente necessitam de atenção da Administração Pública”, lembrou.
QUADRO DEMONSTRATIVO DE PESSOAL
FONTE: Levantamento feito junto ao Departamento de Pessoal em Maio de 2019
*O total de ativos inclui os servidores efetivos, comissionados e contratados.
*O total de inativos inclui aposentados e pensionistas.
AVALIAÇÃO ATUARIAL – Desde então, a nova equipe tem se dedicado a obter informações suficientes para embasar alternativas de melhoria do fluxo de caixa. Para isso, agilizou o levantamento de dados para responder a empresa já anteriormente contratada pela Prefeitura para a prestação de um serviço chamado avaliação atuarial. O valor do contrato, de acordo com o presidente, era relativamente baixo e dispensou-se licitação.
Sem essa pesquisa, segundo informou Giovane, o Conselho não têm condições de propor medidas no sentido de corrigir os problemas. A avaliação é um instrumento exigido por lei que determina os parâmetros necessários para gestão de recursos do Fundo. “É o estudo que considera todos os fatores que o Fundo precisa se preocupar para garantir o pagamento dos salários dos beneficiários”, explicou. O relatório é elaborado tendo como base o final do último exercício (2017) e as projeções se estendem por um período de 80 anos.
A partir disso, apesar do descumprimento do prazo estabelecido para respostas, a Caixa Econômica Federal (CEF), através do setor de consultoria da Previdência para Estados e Municípios (PEM), enviou a avaliação onde foi possível a obtenção de subsídios para propor um plano de ação alternativo para o município.
Em resumo, de acordo com relato do próprio Conselho, o resultado foi assombroso. Os dados da avaliação mostraram um gasto, previsto ao longo desses 80 anos, no valor que ultrapassa R$ 186 milhões. Além disso, segundo Giovane, o resultado se calcula sobre a folha de pagamento dos ativos, sendo que se apurou que o município aplica atualmente 24,34% no Fundo e que precisaria empregar ainda o índice de 106,36% para colocar os valores em dia. “Basicamente isso quer dizer que para cada R$ 1 milhão pago em folha para os servidores ativos, o município teria que pagar R$ 1,06 milhão a mais para o Fundo – para pagar os salários e ao mesmo tempo ir quitando esse déficit”, explicou.
PLANO DE AÇÃO – Sem muita esperança de reverter o quadro, mas tendo a consciência da responsabilidade de amenizar o caos, o Conselho do FAPS começou a desenhar um plano de ação para apresentar às autoridades responsáveis pelas tomadas de decisões. Além das possibilidades enviadas pela própria consultora, a equipe enumerou uma série de medidas práticas para arrecadação de valores aos cofres do FAPS – como a destinação dos valores de inscrições de concursos públicos e processos seletivos, por exemplo, assim como a realização da compensação previdenciária.
De acordo com o presidente do Conselho, a Caixa Econômica propôs a manutenção das taxas atuais de descontos de 11% (funcionário) e 22% (município) e implantação de uma alíquota suplementar crescente – começaria em 2018 em 35,5% e todo ano subiria até atingir um pico de 174% em 2038 e manter até 2052, quando a dívida seria quitada, segundo a projeção dada na avaliação atuarial. “O Conselho não ficou satisfeito com a sugestão, visto que o índice iria aumentar muito o valor repassado pelo Município com a cobertura da dívida”, observou.
Em função disso, os membros apresentaram uma opção chamada segregação de massas – que separa o regime atual em dois planos, com o intuito de que um desses venha a entrar em extinção e o outro mantenha o pagamento dos próximos beneficiários. Nessa sugestão, segundo Giovane, os inativos atuais e os servidores que tenham sua aposentadoria concedida em até 10 anos fariam parte do plano financeiro – que eventualmente se extingue em razão dos índices de mortalidade projetados ou pelo fim do período de pensão.
De outro modo, os demais funcionários, que se aposentam daqui a mais de 10 anos, fariam parte do plano previdenciário – garantindo tempo hábil para formação de caixa e a arrecadação dos seus próprios benefícios. Em ambos os planos, os descontos – tanto para o funcionário quanto em relação à contribuição patronal – aumentariam pouco a pouco a cada ano, de modo a não gerar um grande impacto para os servidores.
Nesse novo formato, os planos passariam a ser independentes entre si – o desconto de um não seria usado em benefício de outro. “Atualmente todos os descontos dos funcionários ativos já são utilizados para pagamento dos inativos, por isso o Fundo praticamente fica sem dinheiro todos os meses”, disse Giovane.
Ainda para este ano está prevista uma nova avaliação, contemplando dados ainda mais recentes para adequar o plano de ação com a atual realidade do FAPS. Segundo o conselheiro e futuro secretário de Administração, a medida, que passa a valer somente a partir de um Projeto de Lei aprovado pela Câmara de Vereadores, visa melhorar o panorama financeiro do Fundo e, consequentemente, do município. As propostas, tão logo estiverem acordadas pelo Conselho, também devem ser apresentadas para o funcionalismo público em Assembleia Geral.
Ministério Público acompanha o caso
O promotor de Justiça, Adoniran Lemos Almeida Filho, disse ao TP que naquela oportunidade o Ministério Público, apesar de interceder com algumas falas, esteve para observar. “O MP continua monitorando a situação do município de Pinheiro Machado e não vamos nos manifestar sobre o caso até que sejam apresentados dados mais atualizados, que conforme informado naquele dia, já há encaminhamento para uma nova avaliação atuarial. É a partir desses dados, referentes ao ano anterior, que um plano de ação pode e deve vir a ser colocado em prática”. Conforme lembrou, essa é também uma determinação do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o município precisa cumprir com esse prazo, de modo a encaminhar medidas para tratar o caso do Fundo de Aposentadoria e Pensão dos Servidores (FAPS).
Ainda segundo o promotor, um plano de ação estratégico é extremamente importante no que diz respeito à saúde financeira do município para os próximos 20 ou 30 anos. “Diante disso, o Executivo fica com a responsabilidade de propor medidas severas que, infelizmente, vão desagradar a comunidade. Do mesmo modo, o Legislativo precisa ser firme o suficiente para saber que está nas mãos dele aprovar essas leis em benefício dos cofres públicos a fim de amenizar a crise financeira que impacta em todos os setores. Se as finanças estão do jeito que estão hoje foi por terem deixado passar uma série de responsabilidades que só cabiam a eles e, se nada fizerem, a tendência é piorar”, finalizou.