ENTREVISTA

Ex-vereadora de Candiota conta ao TP como denunciou deputado que foi cassado

Beatris Conter se elegeu vereadora em Candiota no ano 2.000 Foto: Arquivo Pessoal/Especial TP

A assistente social formada pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Porto Alegre, Beatris Conter, foi eleita vereadora de Candiota nas eleições do ano 2.000. Juntamente com Fernanda Vestfhal, fez história por serem elas as duas primeiras mulheres a se elegerem ao Legislativo no município. Casada na época com o engenheiro da Companhia Riograndense de Mineração (CRM), Aldo Meneguzzi, Beatris criou os dois filhos na cidade. Na época, ela presidiu a Câmara e também foi secretária de Assistência Social.

Sempre ligada à política, Beatris se mudou para Porto Alegre na segunda metade dos anos 2.000 e na capital permanece até hoje. Há cerca de um ano, a ex-vereadora candiotense ficou conhecida nacionalmente após uma reportagem do jornalista investigativo Giovane Grisotti ter sido exibida no programa Fantástico, da Rede Globo. Beatris, que era assessora parlamentar do deputado estadual Ruy Irygaray (PSL), juntamente com outra assessora, fizeram a denúncia.

No último dia 22 de março, o deputado foi cassado pela Assembleia Legislativa do RS, por 45 votos a 3, perdendo o mandato após a Comissão de Ética do Parlamento Gaúcho ter recomendando a cassação do mandato de Irigaray por promover o desvio de função de servidores de seu gabinete.
Em contato com Beatris e por ser um caso emblemático, o TP entrevistou a ex-vereadora candiotense sobre o episódio. Veja a seguir os principais trechos:

TP – Como e de que forma começou a desconfiar que as coisas não estavam sendo feitas corretamente?
Beatris – Com a pandemia de Covid-19, a Assembleia Legislativa fechou as portas para o público e comunicou que os gabinetes poderiam ser fechados e os assessores poderiam trabalhar em home office (de casa). Quem quisesse manter o gabinete aberto poderia, mas com uma pessoa. Nosso gabinete foi um dos pouquíssimos que ficou aberto. Nesse mesmo dia que a AL foi fechada, o deputado nos reuniu e disse que nós iríamos para a casa da sogra dele, em Ipanema (bairro de Porto Alegre), que estava à venda. Entramos no carro e nos dirigimos pra lá, pensando que teríamos um espaço para seguir trabalhando. Ao contrário, o lugar estava podre, há anos fechado, precisando de manutenção, imundo. Tínhamos ido arrumados para trabalhar na Assembleia, mas arregaçamos as mangas e começamos a fazer faxina. Era muita sujeira. Ficamos uns três ou quatro dias tentando limpar a casa de uma forma que a gente pudesse entrar, colocar uma mesa e um computador. Depois a casa começou a ser reformada. Eram três pessoas exclusivamente contratadas para a obra, que não acabava mais. Tínhamos que manter a casa. O chefe de gabinete fazia uma listinha de atividades na casa, como lavar banheiros. A responsável por fazer isso dar certo e manter a casa limpa era eu. Enquanto iam tocando a obra nós íamos arrumando lugar para trabalhar. Chegou uma hora que pensei: assim não dá mais. Eu ia de carona, me revezava com um colega. Um dia eu estava com um colega na hora de almoço e ele me disse: Bia, vou te contar uma coisa, eu dou a metade do meu salário para o deputado. Foi uma coisa difícil de acreditar. Eu retornei para a política na época da Lava Jato em que fazíamos grandes movimentos em Porto Alegre e eu conheci ele (Ruy Irigaray) nesses movimentos em que a gente lutava contra a corrupção. Ele dizia que ia fazer uma limpeza, tirar toda essa podridão, os velhos políticos. Abracei a campanha dele, de graça, acreditando no discurso. Fui incapaz de perceber que por traz daquela conversa, existia outra pessoa. Devido a tudo, pedi demissão e acabei saindo. A Cris (sua colega e também assessora do deputado) continuou com as atividades, inclusive de motorista, pois levava as crianças para inglês, médico, atividade física. Ela foi printando (fazendo imagens) e guardando todas as ordens. Um dia ela me ligou, pediu pra me encontrar, me mostrou o material que ela tinha e disse que não tínhamos escolha senão procurar o Ministério Público e escancarar o que acontecia. No MP sentimos algo estranho, diziam que tinha muita denúncia, que não sabiam quando ia ser visto. Procuramos mais duas pessoas, colegas, amigos de política, para um deles deixamos o material e para nossa surpresa foi parar nas mãos do repórter investigativo Giovani Grisotti, que nos chamou para conversar. Ele nos disse: gurias se vocês querem fazer justiça, isso é um caso gravíssimo, não adianta sem a mídia. Conversamos e chegamos a conclusão que tínhamos coragem sim de escancarar. Em Candiota, quando trabalhei e fui vereadora, se me conheceram ao menos um pouquinho sabem que jamais compactuaria com sujeira e corrupção.

TP – Denunciar uma situação dessas pode ser considerado um ato de coragem, já que a pessoa se expõe muito e pode até receber represálias?
Beatris – Sempre me considerei uma pessoa corajosa, em momento nenhum tive medo. No começo me senti culpada por ter feito campanha, por ter pedido para as pessoas votarem nele, por não ter percebido antes da eleição que tipo de pessoa ele realmente era e que política ele queria fazer. A culpa alimentou minha coragem. Se eu pedi para as pessoas votarem nele e eu me enganei, imagina quantas pessoas estão enganadas. Então me acho no direito, que assim como ajudei a eleger ele, mostrar para as pessoas que elegi a pessoa errada e que sinto muito por ter pedido voto pra ele. Não tive medo, mas tivemos um ano e três meses de represália. Ele contratou os melhores e mais caros advogados de Porto Alegre contra nós duas. As pessoas começaram a nos atacar em grupos de mensagens, até meus filhos. Sofremos neste período. Tivemos grupos, páginas, veículos e jornalistas nos atacando com fake news. Recebemos sim represálias e continuamos recebendo. Sabíamos o tamanho da bomba que havíamos comprado, mas sabíamos que a justiça podia ser feita.

TP – Qual a lição e mensagem que fica desse episódio, que ao fim teve ampla maioria da AL votando pela cassação do deputado?
Beatris – A lição que eu deixo para todo mundo é a de coragem, de dar a cara pra bater, falar o que a gente tem certeza. Se está falando a verdade, está sendo honesto, não tem porque se esconder. Gostaria muito de ver em cada gabinete deste Brasil afora, um assessor de coragem e que mesmo precisando trabalhar, não compactuasse com a sujeira e corrupção. A lição é de coragem meus amigos, se não tivermos como vamos nos olhar no espelho?

Ex-deputado se defende das acusações

Ex-deputado Ruy Irigaray durante a sessão que o cassou Foto: Joel Vargas/Especial TP

O ex-deputado Ruy Irigaray durante a sessão da Assembleia que o cassou no último dia 22, agradeceu o público que veio de várias cidades do RS para apoiá-lo nas galerias do plenário, refutando as denúncias e lembrando que das três acusações, duas foram arquivadas pela Comissão de Ética, restando o desvio de funções dos servidores.

Disse que as ex-assessoras que o denunciaram adulteraram documentos e que o imóvel onde os servidores, conforme a denúncia, teriam prestado serviços fora do horário de funcionamento da Casa foi utilizado como seu gabinete funcional durante a pandemia, fato informado à ALRS em maio de 2020. “A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul foi induzida ao erro”, declarou.

O ex-deputado disse ainda que outras denúncias contra ele no Ministério Público, feitas pelo deputado federal Bibo Nunes (PL), e no governo do Estado, foram arquivadas. Ao concluir, Irigaray citou um fato novo, que foi a conclusão de um inquérito pela Polícia Civil em que ele é vítima. “O inquérito mostra a conspiração política que foi feita contra mim”, assinalou.

* Originalmente este conteúdo foi publicado no jornal impresso

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