FUTURO DO CARVÃO

Dieese faz seminário sobre transição energética e ouve trabalhadores de Candiota e Santa Catarina

O evento internacional debateu o tema durante toda esta quinta-feira (29) num hotel em Porto Alegre

O presidente do Sindicato dos Mineiros de Candiota, Hermelindo Ferreira (ao microfone) lembrou que Candiota é o único complexo industrial entre Pelotas e Uruguaiana Foto: J. André TP

O Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) realizou recentemente um estudo sobre a indústria do carvão no Brasil, que se concentra basicamente nos três estados do Sul do Brasil. O estudo teve o objetivo de entender melhor esta cadeia produtiva sob o ponto de vista do trabalho e ser suporte para o debate em relação a chamada transição justa energética, que o mundo está debatendo, notadamente no processo de um possível abandono futuro da utilização do carvão mineral como fonte de energia.

Durante toda esta quinta-feira (29), no Hotel Intercity, no centro de Porto Alegre, o Dieese deu continuidade a esta programação, realizando o Seminário Internacional ‘Trabalho e Meio Ambiente: Caminhos para uma Transição Energética Justa o Brasil’. O evento ocorreu de forma híbrida, ou seja, presencial e virtual, tendo participação de importantes pesquisadores de renome internacional, além de sindicalistas do Brasil, do Uruguai e da Espanha. O objetivo central é articular uma agenda conjunta, ampliando o diálogo e a escuta entre as diferentes representações sociais neste contexto da transição energética.

De acordo com o técnico do Dieese e um dos moderadores do seminário, Nelson Karam e que participou da pesquisa nas regiões mineiras de Santa Catarina e Candiota (RS), a ideia do evento é debater o processo de transição energética sob o ponto de vista do trabalhador e quais os impactos que isso causa no mundo do trabalho.

Já a coordenadora regional do Dieese RS, Silvana Pirolli, destacou a necessidade do debate. “E isso não significa concordar, mas construirmos uma saída para o futuro”, disse.

Por sua vez, o diretor técnico do Diesse, Fausto Augusto Junior, assinalou que o papel da entidade é trazer este debate para a mesa. “Há muitas verdades e inverdades neste debate ambiental”, assinalou.

Para Ricardo Franzoi, supervisor do Dieese no RS, os trabalhadores, especialmente do carvão, não podem simplesmente serem avisados que não serão mais necessários porque não se quer mais aquela matriz energética. “A transição só será justa se não deixar ninguém para trás”, frisou.

Seminário debateu, sob o ponto do vista do trabalhador, o que pode ser uma transição energética justa Foto: J. André TP

DEBATE – Pela relevância do tema, Candiota esteve representada no Seminário pelo presidente do Sindicato dos Mineiros, Hermelindo Ferreira e pelos diretores da entidade José Carlos Lopes e Carlos Rogério Madruga Peraça. Também a vereadora Luana Vais (PT) e a agricultora agroecólogica, Lidiane Gregório, fizeram parte da delegação candiotense.

Ao fim do Seminário, num dos painéis, Lidiane deu um depoimento pessoal sobre a relação do carvão com Candiota. “Nós convivemos há 20 anos com carvão no mesmo espaço em que fazemos agricultura agroecológica. Candiota foi construída sob a mineração. Nós precisamos ter um olhar diferenciado sobre o município neste processo de transição”, destacou.

Fazendo um regaste histórico do uso do carvão, Hermelindo, mais uma vez colocou a preocupação de toda a cidade em relação a possibilidade concreta de fechamento da Fase C da Usina de Candiota em 2024, quando terminam os contratos de fornecimento de energia. “Não acredito que alguém aqui vai comemorar que cinco mil empregos serão perdidos se nada for feito”, questionou, lembrando que Candiota é o único complexo industrial entre Pelotas e Uruguaiana na Metade Sul gaúcha.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Energia Elétrica de Santa Catarina (Sintresc), Luiz Antônio Barbosa, resgatou a trajetória da Usina Termelétrica Jorge Lacerda e que recentemente passou por uma situação semelhante à Usina de Candiota, porém teve a situação revertida com a aprovação de uma legislação federal que prorrogou os subsídios ao empreendimento até 2040. “São 28 mil empregos diretos e indiretos e cerca de 100 mil pessoas envolvidas. São empregos de qualidade, com plano de saúde e aposentadoria complementar. Como criar este volume de empregos assim do dia para noite?”, questionou.

O presidente da Federação Interestadual de Trabalhadores na Indústria Extrativa do Carvão do PR, SC e RS (FIT), Genoir José Santos, o Foquinha, fez uma defesa firme da manutenção da atividade mineira do carvão e da geração da termeletricidade a partir desta matriz. “Será que se pararmos a mineração no Brasil, vamos frear o efeito estufa? Precisamos fazer uma reflexão para não aumentarmos ainda mais a aflição dos mineiros e mineiras. Nós sempre defendemos o meio ambiente, mas para nós a manutenção de nossos empregos é prioridade. Carvão mineral significa um presente seguro e um futuro sustentável”, disse.

Para Daniel Gaio, secretário nacional de Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), essa é mais uma das transições lentas graduais e seguras que tendem a mandar a conta para os trabalhadores, como a libertação dos escravos que forçou os negros a uma autoinserção no mercado de trabalho ou a lei da anistia, “que veio pra salvar os agentes do Estado que produziam as violências em nome do Estado”. “Estamos diante de outra transição que será segura para o capitalismo verde. Quem paga são sempre os trabalhadores, as mulheres, os negros, as periferias, os interiores”, alertou.

Ele defendeu uma agenda de lutas por categorias. “Ao invés de brigarmos entre nós, vamos organizar um plano de luta coletivo para ter um diagnóstico, intervir nessas transições em busca de respostas e não de falsas soluções que o capitalismo adora. Essa transição interessa a eles, ao ciclo de acumulação que provocou essa avalanche da digitalização e do sequestro das nossas vidas. Nem Gabriel Garcia Marquez conseguiria imaginar uma Macondo como Candiota”, comparou, se referindo a cidade fictícia criada pelo escritor em 100 anos de solidão.

Para o dirigente da CUT, a transição justa deve incorporar, antes da descarbonização, uma agenda dos trabalhadores. “Hoje, no Brasil, quanto mais limpa a energia, mais sujas são as condições de trabalho, por aplicativo, sem jornada de trabalho. Numa planta solar, o sindicato dos eletricitários ou dos metalúrgicos não entra”, ilustrou.

* Originalmente este conteúdo foi publicado no jornal impresso

Comentários do Facebook